segunda-feira, 22 de junho de 2009

Santarém: reminiscências de um tempo distante

José Baldino Vasconcelos

Especial para a edição de aniversário de Santarém

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Sou de um tempo distante em que celebrávamos teu aniversário no mês de outubro.

Sou de um tempo distante em que andávamos pelas tuas ruas sem medo de ser violentado.

Sou de um tempo distante em que jogávamos bola nas tuas ruas arenosas, mais especificamente na Rui Barbosa, Francisco Correa e São Sebastião.

Sou de um tempo distante em que apostávamos corrida na subida e/ou descida da escadaria do Frei Ambrósio.

Sou de um tempo distante em que o Frei Ambrósio era chamado de Grupo, com dois pavilhões, sob os cuidados da Velha Rufina.

Sou de um tempo distante em que no campinho do dito Grupo manifestávamos a nossa motricidade no trato com o balão. Lá estávamos: Zé Graúdo, Bonifácio, Caroba, Aimberê, Chassis, Lagosta, Rolinha, Toneca, Tamancão, Robinson, Edson Pampa, Mucurinha, Pé de Chumbo, João da Caixa Econômica, Cristovam, e tantos outros que já não me lembro de seus nomes.

Sou de um tempo distante em que no Grupo Escolar Frei Ambrósio existiam frondosas árvores que nos agraciavam com seus suculentos e adocicados frutos amenizando nossa fome: mangueiras, cutiteiro, cajueiros, ateiras e ajuruzeiros. Numa delas brincávamos da pira e de onde caí para passar alguns dias desacordado. Ao redor, uns arbustos que nos forneciam as forquilhas mais bem simétricas chamados de culhão-de-bode para os nosso baladores.

Sou de um tempo distante em que a disciplina dessa escola era rígida e coerente e professores dedicadíssimos como a Professora Nazaré Demétrio, Delzuita Freire, Teresa Miléo, Semíramis Fernandes. Não me recordo de outros nomes.

Sou de um tempo distante em que por trás dos muros que rodeavam o Frei Ambrósio brincávamos de esconde-esconde, e descíamos para a beira do rio Tapajós por detrás do Novo Olinda Hotel (antes de sua construção).

Sou de um tempo em que o Rodrigues dos Santos era chamado de Escola do Comércio.

Sou de um tempo distante em que os passeios para as praias da Salvação, Maria José, Araria, Pajuçara, Pindobal, Aramanaí, Porto Novo eram estupidamente prazerosos. De um tempo em que existiam Vera Paz, Coroa de Areia, Salé, Irurá, Caieira, Laguinho, Mapiri.

Sou de um tempo distante em que no teu comércio havia A Curiboca, A Violeta, a Casa Moraes, a Pernambucana, o Mercado Modelo e o Castelo.

Sou de um tempo distante em que o cais de arrimo, lá na Aldeia, era chamado de Cais do Amor, especialmente depois da domingueira do Clube Veterano ou do Bonsucesso.

Sou de um tempo distante em que as quermesses das festas juninas eram animadas com as danças folclóricas e músicas genuinamente típicas de época.

Sou de um tempo distante em que tuas ruas eram arborizadas. Da rodoviária ali por perto da hoje Feira da Candilha.

Sou de um tempo distante em que se ouvia o repique dos sinos da Matriz, e que os cultos da Semana Santa eram silenciosamente respeitados, e o barulho das matracas nos metiam medo.

Sou de um tempo distante de respeito pelos pais e professores. Bastava um olhar da minha mãe para eu me tocar e sair de fininho. Com ela “ficar” era “não ir”.

Sou de um tempo distante em que ocorreu a primeira grande cheia do Tapajós. Este rio que nos banhava e curava nossas feridas.

Sou de um tempo distante quando brincávamos de homem-rã debaixo do tablado do velho trapiche. De onde pulávamos, de flecha, de cima do bate-estaca, das proas dos grandes navios e se desviando das catraias.

Sou de um tempo distante em que depois das aulas noturnas do Álvaro Adolfo, descíamos para o Fluminense, nas quartas-feiras.

Sou do tempo do fortificante do óleo do fígado de bacalhau, do purgante de mamona. Da geladeira branca e do telefone preto.

Sou do tempo do Náutico de gloriosas tradições, do Bonsucesso, do Ameriquinha, do Leão e do Pantera.

Sou do tempo da revolta do Major Veloso e da Ditadura Militar.

Sou do tempo distante em que os lupanares eram lugares de diversão (afinal, não havia outra coisa a fazer) para muitas figuras históricas desse município. Quem lembra?

Agora, sou do tempo que se chama hoje. E me pergunto: Quo vadis, Santarém?

Hoje completas 348 anos. Continuas sendo um belo jardim, mesmo mal cuidado. Hoje mostras crescimento em tamanho, em população, em safadeza. Hoje tuas organizações e associações parecem organizadas. Hoje em tuas veias abertas corre o sangue do desenvolvimento e progresso. Almejas ser capital. As tuas calçadas não te pertencem. Teu trânsito é caótico. Tuas ruas são irregulares. Tuas escolas estão sucateadas. Tua cercania é deteriorada por cinturões de miséria e pobreza e teu planalto devastado.

Mesmo assim, te amo, rincão alado, onde nasci e entrei, pela primeira vez, em contato com outros seres humanos. Tu continuas sendo a Pérola do Tapajós.

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