domingo, 18 de março de 2012

Santarém: a terra dos encontros, de Laurimar Leal e Dica Frazão

É do encontro das águas e das culturas indígena e portuguesa que se construiu Santarém. A cidade, a 807 Km de Belém, assiste de camarote ao choque do rio Tapajós e Amazonas. Verde de um lado e marrom do outro, as águas correm em paralelo, não se misturam e formam um espetáculo natural incrível, visto de qualquer ponto da margem da cidade.

De um lado, o escuro rio Tapajós, do outro, o barrento rio Amazonas
Mas nada como olhar tudo isso bem de perto. No Porto de Santarém ficam ancoradas pequenas embarcações disponíveis ao turista – não precisa nem agendar um horário. Em 10 minutos chegamos ao encontro e percorrendo essa linha, ainda encontramos os botos saltando por ali.

 Quanto mais perto melhor!
As marcar portuguesas estão espalhadas pelos sobrados coloniais, com azulejos como revestimento externo. A fé do povo está retratada no filme “Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios”, de Beto Brant – adaptação da obra homônima de Marçal Aquino, gravado ali e em Altamira – previsto para estrear dia 20 de abril.
ARTE VIVA
Santarém é geralmente o ponto de passagem para quem quer chegar até Alter do Chão. Por isso, um ou dois dias na cidade podem ser suficientes. Durante esta estada, além de tomar os sorvetes das frutas paraenses (bacuri foi o meu preferido!), vale reservar algumas horas para ir ao Centro Cultural João Fona.
Sentado de frente para o encontro das águas, “Seu” Laurimar Leal é o guardião do acervo que tem como objetivo preservar a história da cidade, além de ter quadros do italiano Domenico de Angellis — que pintou a Catedral da Sé em Belém — como o retrato de D. Pedro II, em 1882. Apesar da figura frágil, cego há seis anos, o senhor com bengala na mão tem fôlego e história para contar.

                                Laurimar Leal tem curso de restauro no Louvre

As obras em escultura de Laurimar estão espalhadas por toda Santarém, como as peças nas Praça São Sebastião e Praça da Liberdade. Pintor e artesão, ele trabalhou com temas da natureza e foi retratista de todos os prefeitos da cidade. Os retratos dividem espaço com peças originais de escravos que pertenceram à sua família e cerâmicas arqueológicas tapajônicas.
Quando menino se formou em um seminário, é tenor lírico e tem curso de restauro feito no Louvre, em Paris, fala inglês e francês. “Nos anos 90, um barco passou por aqui e muitas pessoas desceram para visitar a cidade. Eu estava com uma exposição embaixo das mangueiras, aqui na praça ao lado do museu. Tinham uns franceses no grupo que gostaram do meu trabalho e depois de alguns meses chegou o convite. Fiz cursos no Louvre, fui para Bélgica, Suíça…”, explica.
Quando retornou ao Brasil, ele restaurou o prédio onde agora está este centro cultural. Da formação religiosa, Laurimar guarda a humildade. “Nunca liguei para dinheiro, por isso hoje levo uma vida simples”, conta relembrando o tempo em que ganhava do município apenas o material para criar e nada mais. “Meu trabalho é brigar pelas nossas origens, para preservar a nossa história. Com os europeus, aprendi que seu conhecimento só é válido se repassado para alguém e é isso que tentei fazer dando cursos e oficinas”.
Para Laurimar, com 72 anos, a força da arte paraense está no contato com o místico, com as lendas e crenças da região. “O artesão trabalha com as mãos de operário e a mente de artesão. O artista com as mãos do operário, a mente do artesão e o sentimento de artista”, reflete.
O documentário “Laurimar e Outras Lendas”, dos cineastas Miguel Ângelo, Bob Barbosa e Chico Caprário detalha a vida do homem mais famoso de Santarém!

Veja um trecho:
http://www.youtube.com/watch?v=o_SAwQtbork&feature=player_embedded#t=0s

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Dica Frazão transforma fibras naturais em tecido

Além do Seu Laurimar, Santarém guarda outra personalidade curiosa, Dica Frazão. Estilista e artesã, há 63 anos ela transforma itens naturais em roupas e acessórios. É quase inacreditável, mas a casca de árvores, raízes de patchuli, sementes e palhas viram de chapéus e bolsas, a vestidos de noiva.

                               Dica Frazão com algumas de suas matérias-prima no colo

Dona Dica já foi chamada de “fada da natureza” pela BBC de Londres. As principais peças criadas ao longo de sua carreira ficam exibidas em um museu improvisado, em uma sala dentro de sua casinha simples (Rua Floriano Peixoto, 281. Tel. (93) 3522-1026. A entrada é franca e basta bater na porta!).
Aos 12 anos ela perdeu a mãe, mais tarde o pai abandonou a casa. Com sete irmãos mais novos, Dica assumiu a criação de todos eles e aos 17 aprendeu a costurar. Casou com um militar e o contato com pessoas da alta sociedade de Belém a ajudou a guinar a carreira como modista.
“Descobri as fibras naturais quando me pediram para fazer um leque de penas. Quando fiz o primeiro chapéu com fibra de palmeira, dispensei de vez os tecidos e não me arrependo porque levei o nome do meu país para o mundo todo”, conta. Ela já fez toalha de mesa de patchuli para Juscelino Kubitschek, para o Papa João Paulo II e até um casaco para a Rainha da Bélgica, em 1972.
O processo de transformação destas cascas (que são retiradas sem matar as árvores), como a fibra de malva fornecida pelos índios Mudurucus, ela não revela. Nem como faz para transformar um material aparentemente duro, em roupa. O que é uma pena, porque todo este segredo começa e termina com Dica Frazão, já que nenhum dos seus filhos se interessaram pela arte. Apesar da saúde frágil, ela promete ainda ficar bons anos atrás da máquina de costura.

Dica Frazão com algumas de suas matérias-prima no coloVestido e detalhe do chapéu feito com casca de árvoreVestido de noiva com bordado em pérolasÀ esqueda, o casaco feito para rainha da BélgicaAlém de transformar as fibras em tecido, Dica ainda faz bordadosEste traje foi para um festival para representar o Pará
Detalhe de um vestido de noiva, uma das últimas peças feitas por Dica

Estado não cobra água utilizada por mineradoras no Pará

Resumo da matéria assinada pelo repórter Carlos Mendes, publicada na edição deste domingo do Diário do Pará:

O Pará está jogando fora uma fortuna que poderia reduzir seus índices africanos de pobreza. Ele deixa de arrecadar R$ 5 bilhões por ano com a exploração dos recursos hídricos por empresas mineradoras que atuam no estado. A cobrança, que não é taxa ou imposto, está prevista em lei, mas nunca foi feita. A omissão já dura mais de dez anos. As empresas usufruem de outorga gratuita e ainda gozam de renovação sistemática das licenças a cada dois anos. Se a cobrança fosse realizada hoje e as mineradoras tivessem de pagar tudo o que deixaram de recolher em mais de uma década, de acordo com especialistas consultados pelo Diário, o volume de recursos alcançaria entre 80 e 100 bilhões de reais, equivalente a quase duas vezes o Produto Interno Bruto (PIB) paraense.



1- Especialistas calculam que o Pará deixou de arrecadar entre 80 e 100 bilhões de reais em mais de dez anos de utilização da água pelas empresas mineradoras em suas indústrias. Isso equivale a quase duas vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do estado.

2- Apenas no Platô Miltônia 3, na região do mineroduto de Paragominas, o maior do mundo com 244 km de extensão, a água utilizada equivale a 3,4 milhões de litros por hora.


3- No mineroduto, o processo de utilização compreende água bruta para o beneficiamento da bauxita cristalizada, água bruta para a área do próprio mineroduto, água potável e água de combate a incêndios.


4 – A bauxita, adicionada a água, é empurrada em forma de polpa úmida pela tubulação de um metro de diâmetro até a Alunorte, em Barcarena, atravessando sete municípios. Cinco bombas com 13.200 cavalos de força de potência ajudam no processo.


5- Quando chega a Barcarena, a bauxita passa pelo “desaguamento”. Ou seja, o excesso de água na polpa é filtrado. A água expelida é depois reaproveitada.


6 – A lei prevê a cobrança pela utilização de recursos hídricos pelas indústrias, incluindo as de mineração, mas no país somente o Ceará e São Paulo usufruem do benefício.