segunda-feira, 21 de março de 2016

Chico contra Chico

Lúcio Flávio Pinto
O ano de 1968 começou no mundo a 1º de janeiro. No Brasil, terminou no dia 13 de dezembro, quando foi editado o Ato Institucional número cinco. O AI-5 foi o mais tétrico dos documentos oficiais da história republicana brasileira, o anticlímax da progressão democrática que estava em curso. Parecia que o Brasil viveria os tempos de liberdade e criatividade que geraram a primavera checa nos países da Cortina de Ferro e a revolta estudantil pelas ruas de Paris, do lado Ocidental.
A cultura, que expressava com fidelidade a tentativa de sair dos vários tons de cinza nos dois primeiros governos militares, sofreu na pele também a ação dos grandes punhais em ação a partir da cobertura dada pelo AI-5. Isso porque a linguagem foi se tornando cada vez mais agressiva. A tal ponto que chegou ao modo de interpretar, aos cenários, ao clima, sobretudo nos palcos teatrais.
Nada foi mais representativo da longa noite dos punhais como a invasão do teatro e o espancamento dos atores que encenavam a versão à José Celso Martinez de Roda Viva, do outrora bucólico e lírico Chico Buarque de Holanda. Quem viveu os últimos anos dos 1960 sabe o que foi esse terror e brutalidade, que fizeram Chico (como Caetano, Gil e muitos outros) emigrar em busca da salvação.
Vítima e mártir da intolerância., Chico Buarque agora é algoz. Ele proibiu que o ator e diretor Cláudio Botelho continue a apresentar "Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos", dramatização de várias músicas do filho de Sérgio Buarque de Holanda.
Depois da queda o coice. Botelho foi impedido de continuar a apresentar o espetáculo no dia 19, em Belo Horizonte, por espectadores revoltados pelas críticas do artista a Dilma e Lula, num momento de improviso do texto. As vaias foram num crescendo até chegarem próximo da agressão física.
No dia seguinte, Botelho soube da disposição de Chico proibir o uso das suas canções no espetáculo, depois de apresentações no Rio de Janeiro e entendimento de muito tempo. A atitude certamente nada tem a ver com o conteúdo da encenação. Deve-se simplesmente à manifestação crítica de Botelho contra os líderes do PT, partido que Chico apoia.
Ele podia continuar a dar todo seu apoio sem transformá-lo num instrumento de censura e coação, como os ataques que sofreu da censura estatal e de parte do aparelho repressivo do governo durante o regime militar. Gênio musical, Chico tem confinado a esse âmbito as suas qualidades. Fora dele, está se tornando um pastiche de si mesmo.