terça-feira, 10 de maio de 2011

Pescador de luzes ao por-do-sol em Santarém

Foto: Alfonso Jimenez. In Memoriam

Criação de novos estados: comentário da jornalista Lúcia Hypólito na Rádio CBN nesta terça-feira


Milton Jung - Bom dia para você Lucia!

Lúcia Hypólito - Bom dia Milton bom dia ouvintes da CBN!

Milton Jung – Nós temos ouvido diferentes opiniões sobre a criação de Estados no Brasil, mais recente agora sobre a divisão do Pará em três Estados. Qual é a sua opinião?

Lúcia Hypólito - Olha o Milton, eu acho que esta configuração política administrativa brasileira, isso é uma coisa de século 19 que ela vê. É um resultado de identidades construídas desde a colônia. E você tem no Brasil o choque de uma tradição unitária por que o império era unitário, tudo centrado no poder central e a república que implantou a federação. Mas nós sempre tivemos uma federação meio torta e nas últimas décadas você vem concentrando muito o poder, Milton, na mão do governo federal. Acontece que no século XX você foi formando novas identidades, interesses econômicos comuns, culturais, estratégicos.
Ô Milton, há quantos anos a gente não houve falar no Estado do Triângulo Mineiro, né?, que era uma coisa que reuniria algumas cidades de Minas com cidades de Goiás por quê? Porque ali havia uma cultura, havia uma agricultura um agronegócio comum etc. Então em vários lugares do Brasil você foi formando isso e ai quando a gente olha o tamanho do país e tamanho das diferenças e das dificuldades.
Você veja o seguinte, qualquer pessoa que olhe a serio as divisas terrestres do Estado do Pará, por exemplo, entende que não há Policia Federal, não há forças armadas que dê conta de policiar aquilo ali. Se você não tiver identidades regionais, população que cuide, população local que entenda, uma policia localizada estadual dedicada etc. você não vai conseguir.
Então você tem um derrame de dinheiro de desperdício do governo federal e fica enxugando gelo por que é lá de Brasília que você fica dando ordens, enquanto as populações locais entendem melhor o problema.
Você veja o seguinte, Milton, nós estamos com esta marcha dos Prefeitos a Brasília que vão lá pedir o quê? - Aquilo que lhes é de direito, que são os recursos que são arrecadados nos Municípios e nos Estados e são sugados pelo governo federal. Então esta proposta, eu nem sei se vai passar e se não vai passar, mas acho que é uma discussão importante.
É claro que a crítica vem logo: não ai vai ter Governador,  Assembléia Legislativa o “cabidão” de emprego? etc. Mas não precisa ser assim, que dizer, tem sido assim? Tem! Mas não precisa ser. Eu acho que é uma discussão da Federação, é uma discussão de retirar poder do governo federal e devolver aos Estados e Municípios. Acho que os gastos com a nova estrutura podem ser compensados com a economia dos gastos federais nestas regiões, mas ai, evidentemente, os burocratas do governo federal vão perder poder, não é Milton? Ai eles não querem não, né!

Milton Jung – Pois é não é só o Pará, são tantos outros Estados que estão nesta discussão.

Lúcia Hypólito – Exatamente. Tem Maranhão, tem Araguaia, tem Planalto Central, tem Mato Grosso do Norte, tem pedaço da Bahia, tem Triângulo Mineiro. Eu acho que a discussão é importante, Milton! Não sei se vai adiante ou se não vai, mas está na hora de discutir a federação brasileira.

Milton Jung – Até amanhã, Lúcia.

Lucia Hypólito – Até amanhã, Milton.    

Redivisão do estado do Pará em debate na Assembléia Legislativa



A Assembleia Legislativa do Pará vai programar debates sobre a realização do plebiscito sobre a divisão do Pará para criação dos Estados de Carajás (sul e sudeste) e Tapajós (oeste). A maioria dos líderes das bancadas partidárias na AL aprova o debate, alegando que todas as questões devem ser discutidas com a sociedade, que vai, de fato, decidir sobre a divisão.

A primeira sessão ordinária da semana na AL, que será realizada hoje (10), deverá ser tomada pela questão. Ainda este mês será realizada audiência pública, requerida pelo líder do PPS na casa, João Salame, antes mesmo da aprovação no Congresso Nacional da realização do plebiscito. A audiência contará com a presença do economista Célio Costa, que participou do estudo de viabilidade à época da criação do Estado do Tocantins.

Para Salame, é uma hipocrisia a justificativa de que a divisão vai gerar novos parlamentares e governadores, portanto, seria apenas uma questão política. Com a criação de mais Estados, defende o deputado, aumenta a representação da Amazônia no Congresso Nacional. “Tem que ser um debate do ponto de vista técnico, para ser bom para todo mundo. A emancipação só valerá à pena se for bom pra todo mundo, inclusive para o Estado remanescente”.

O líder do PMDB, Parsifal Pontes, defende que o parlamento estadual não deve tomar partido sobre a divisão, mas liderar os debates, promovendo audiências públicas em todas as regiões paraenses. Parsifal acredita, no entanto, que a população não vai se livrar do enfoque político da questão. “O viés político é quem vai decidir. A população tem inteligência emocional e o que vai prevalecer é este lado”.

Da mesma forma, o líder do PSDB, José Megale, defende que a AL deve ser um dos protagonistas do processo de discussão do plebiscito sobre a divisão do Estado do Pará. Megale lembra que já há propostas de realização de sessões itinerantes do parlamento, que poderão ser palcos de debates sobre o plebiscito. (Diário do Pará)

Eurico Pinheiro: mais que um mestre, um sonhador

Foto: Paulo Fernandes/Embrapa
   
Ruth Rendeiro*

Há alguns anos eu pensei em escrever um livro que já tinha até título: Antes que a morte chegue. Justamente para reunir textos de pessoas que considero ímpar, marcantes em minha vida e na vida do Pará, da Amazônia, do mundo e que sentia vontade de homenagear antes que elas morressem. Já fiz tantos textos sobre amigos queridos que já se foram e a dúvida se eles leram, tomaram conhecimento do quanto eu os amava, me perturba. Queria tanto que eles soubessem disso em vida ... 

De novo estou aqui escrevendo sobre alguém querido que acaba de nos deixar. A comunidade científica está de luto, a serigueira chora, a UFRA (que ele ainda se confundia e acabava chamando algumas vezes de Fcap) e a Embrapa Amazônia Oriental estão lamentando a morte do professor e pesquisador Eurico Pinheiro. Mas os que conviveram com ele têm muito mais a lamentar.

Não fui sua aluna, sua assistente ou companheira de pesquisa. Tive o privilégio, contudo, de conhecer o gentleman, aquele senhor já idoso que tinha alma jovem, espírito inovador e que acima de tudo amava o que fazia.

Tinha uma paciência invejável e uma didática para explicar assuntos complexos que a todos encantava. Falava do mal-da-seringueira ou o Mycrociclus ulei, como se fosse um conhecido antigo que apresentava aos leigos como alguém que mexeu com a heveicultura tão drasticamente que ao final os ouvintes poderiam passar a odiá-lo por tantos danos. Mas ao mesmo tempo se mostrava otimista com a superação dos problemas e acreditava veementemente que um dia o Brasil voltaria a ser o reino da borracha e a Amazônia a ter seus plantios rentáveis de antigamente.

Há cenas muitos marcantes que me remetem àquele que serviu a gerações repassando seus conhecimentos e levando-as a acreditar que as limitações na saúde (enxergava pouco, os passos já não eram firmes) ou a idade já avançada não representavam impeditivos suficientes para não sonhar.

Em uma das Semanas Nacional de Ciência e Tecnologia, quando a Embrapa Amazônia Oriental abriu suas portas para moradores próximos a sua sede e muitas escolas da periferia, alguns pesquisadores não mostraram interesse em participar; outros o fizeram a contragosto e um pequeno grupo se dispôs a explicar, com doçura, paciência e sentimento àqueles que “são o futuro do Brasil” e lá estava o Dr. Eurico Pinheiro.

Ele parecia mais um vovô conversando com os netos. No meio da plantação de hévea próximo ao portão principal da Embrapa de Belém, ele explicava com entusiasmo o que era uma seringueira, para que servia seu látex, como o Brasil e em especial o Pará e o Amazonas, já foram ricos graças a essa planta. Incansável passou quase o dia inteiro no sol entre meninos e seringueiras.

Perdem as ciências agrárias, as gerações que não mais poderão usufruir de sua companhia e embevecidos ouvi-lo falar por horas sob a retomada da heveicultura na Amazônia, das pesquisas desde à época do IAN (Instituto Agronômico do Norte), dos clones que se mostravam tolerantes à doença, dos plantios consorciados que deixavam sua voz ainda mais emocionada. Perdemos nós seus colegas que não mais receberemos um bom dia especial acompanhado de bombons japoneses de sabores inusitados como kiwi e melão ou canetas especiais que trazia quando fazia uma viagem mais longa.

Pena que não comecei a escrever o livro “Antes que a morte chegue”. É tão difícil e doloroso falar dos que se foram e não mais poderemos abraçar.
 
*É jornalista