terça-feira, 13 de novembro de 2012

Quem disse que a Polícia Federal está querendo acabar com garimpos clandestinos?



Indios Munduruku a bordo do helicóptero da PF

Edilberto Sena
Membro do Movimento Tapajós VivoSantarém, Pará

A morte de mais um índio assassinado pela Polícia Federal em Teles Pires e a prisão de vários Munduruku e Kaiabí, entulhados num helicóptero na semana passada, não pode tersido apenas para acabar com balsas de garimpo clandestino. Além das prisões e morte, a Polícia Federal invadiu aldeias, assustou crianças e mulheres indígenas e por fim, escondeu detalhes da invasão de território.

Quando o menino de recado da presidente Dilma, sr. Gilberto Carvalho afirmou meses atrás, que ela teria dito que “o que tem que ser feito, será feito”...  esse  recado à nação, reproduz o estilo da ditadura militar dos anos 70. Até um psicólogo poderia concluir que a presidente sofre da síndrome da ditadura, numa reação psicótica de vingança pelo que ela sofreu nas torturas do DOPS paulista. 

Sua obstinação em destruir a Amazônia para alcançar o PAC II está implacável. Entrou num caminho sem volta, a depender de seus comandados. Quem vive aqui na Amazônia e acompanha indignado o que estão fazendo com os povos ea natureza, não pode deixar de ler os sinais desse plano de guerra em nome da economia.

Eis alguns sinais mais recentes:
a) Em Belo Monte, por causa das várias rebeliões (neste momento ocorre outra de funcionários inconformados com a escravidão imposta pela empreiteira) e com a rebelião dos índios e pescadores, o governo iludiu mais uma vez os rebelados e depois o exército brasileiro foi fazer exercícios militares ao redor da Vila Pimental, onde tinha havido a ocupação dos inconformados.
b) Duas semanas atrás, Eletrobrás e FUNAI de Brasília convidaram um grupo de 20 Munduruku, para um diálogo sobre o projeto usinas no rio Tapajós. Em dado momento do longo dia,em que a funcionária graduada da FUNAI de Brasília cansava de receber resposta dos índios, de que no rio Tapajós não aceitam de jeito nenhum hidroelétricas, ela disse de cara a eles “ se  resistirem, o governo vai enfrentar vocês com a Força nacional”, ao que os Munduruku responderam que aquilo era uma declaração de guerra.
c) Agora em Teles Pires, a Polícia Federal, chegou agredindo os Kaiabí e os Munduruku, explodindo balsas de garimpo clandestino, invadindo aldeias, matando índio, assustando crianças e mulheres num verdadeiro ato de guerra.   

Depois da agressão esconderam os fatos, se disseram vítimas de agressão dos índios e que só tinham utilizado balas de borracha. Não assumiram que mataram um Munduruku.

Por que justamente agora a Polícia Federal chegou ao Teles Pires para explodir balsas de garimpo, quando elas estão ali há muitos anos explorando ouro? Por que não foi há três ou quatro anos? Por que não explodiu balsas no rio Juruena e no Tapajós, onde há várias balsas e dragas clandestinas? Ora, há um ano atrás,  quando a Eletronorte começou a destruir as cachoeiras do Teles Pires para novas hidroelétricas, os mesmos Munduruku e Kaiabí prenderam alguns técnicos, exigindo respeito do governo. Foram ludibriados em diálogo falso em Brasília e as obras das usinas continuam a todo vapor.

Nesta conjuntura, onde nem a FUNAI, nem a FUNASA, nem os outros órgãos do governo federal chegam em Teles Pires para dar assistência digna aos Munduruku, Kaiabí e Apiakás, chega a Polícia Federal toda armada, com fuzis, voadeiras e helicópteros com invasão de aldeias e explosão de balsas de garimpo, como acreditar que isso tudo é um cuidado com a justiça social e defesa do território indígena? 

Tal ação de guerra é mais um recado aos índios de Teles Pires e do Tapajós, que quem manda nesta terra é a presidente Dilma e sua Força nacional, pois “o que tem que ser feito, será feito” enfiando goela abaixo as dezenas hidroelétricas na Amazônia.

O governo federal está provocando uma bomba relógio, e uma nova cabanagem pode surgir mais cedo do que mais tarde na Amazônia. Afinal os índios, pescadores, ribeirinhos e moradores das periferias são ainda descendentes dos irmãos Vinagre, de Angelim e do líder Maparajuba. Toda humilhação chega a um limite.

Emir Bemerguy será enterrado amanhã

O corpo do poeta e escritor Emir Bemerguy, que faleceu hoje de manhã, está sendo velado na capela mortuária da matriz da Conceição. 

Após a missa diária na catedral, o corpo de Emir será velado na nave central. Amanhã, às 8h00, após missa, o enterro seguirá para o cemitério de N.Sra. dos Mártires.

Índios pedem que ação da PF em aldeia no Pará seja investigada

Do Globo Rural



A Polícia Federal apresentou um vídeo para mostrar que negociou com a Funai a entrada na aldeia Teles Pires, em Jacareacanga, no Pará.
Os policiais teriam garantido que nenhum índio seria preso, mas os agentes, segundo a PF, foram atacados com flechas no momento em que explodiam as balsas de extração ilegal de ouro.
No confronto, um índio morreu após ser baleado por um policial, segundo testemunhas.
Entidades ligadas aos índios do Pará questionam a ação da Polícia Federal e afirmam que os índios não atacaram os agentes. O Conselho Indigenista Missionário cobra uma investigação para apurar de que forma o índio foi morto.
Nas escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, uma das lideranças dos índios mundurukus pede dinheiro para o funcionário de uma empresa que extraia ouro dentro da reserva indígena.
O dinheiro, segundo a Polícia Federal, era o pagamento de pedágio pela extração de ouro em terra de índios. O esquema movimentou mais de R$ 150 milhões nos últimos anos, de acordo com a polícia.
Dezessete pessoas foram presas, entre elas, donos de empresas que compravam e comercializavam ouro. Catorze índios estão respondendo a inquérito por resistência à prisão e desobediência. De acordo com a polícia, outro inquérito deve apurar a morte do índio.
Três empresas estão sendo acusadas de repassar dinheiro para a tribo em troca da exploração ilegal de ouro.

Morre o poeta e escritor Emir Bemerguy

Faleceu hoje de manhã, em Santarém,  aos 79 anos, o poeta e escritor Emir Bemerguy.
 
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
21 de outubro de 2010.
 
BELÉM, Pará – Ninguém poderá tratar da história contemporânea de Santarém sem considerar a vida e a obra de Emir Bemerguy. Ele já viveu 77 anos e, fora os últimos, quando a doença o fez recolher-se, viveu intensamente os acontecimentos do município e de todo Tapajós. Viveu e testemunhou: é um dos raros personagens que documentou os fatos, deu sua opinião e a registrou de forma pública, através da imprensa, com uma invejável produção.
 
Parte considerável dela foi reunida no livro Santarenices – Coisas de Santarém (294 páginas), lançado recentemente pelo Instituto Cultural Boanerges Sena, de Cristovam Sena, hoje a principal fonte de referência sobre a região. O livro contém os principais artigos que Emir Bemerguy escreveu entre 1966 e 1998. Alguns deles são os únicos documentos por escrito de determinados acontecimentos. Por isso, a obra passa a ser de consulta obrigatória para quem quiser reconstituir essas mais de três décadas.
 
Nesse período, Emir não chegou a passar “quatro meses longe de Santarém”, conforme declara, o que é bom e ruim. Bom porque seu testemunho é mesmo vivencial, de ver e sentir, conhecendo os atores do enredo, vários deles seus amigos de longa data. Ruim porque o sedentarismo, que leva à rigidez das raízes, prejudica certas análises e interpretações que ele fez.
 
Elas são distorcidas pelo conservadorismo, a religiosidade e certa autocomiseração do autor, tornando-o às vezes extremado, dogmático ou impulsivo na apreciação dos eventos cotidianos. Apesar de a sua formação espiritual o encaminhar para a tolerância ao contrário e ao diverso, Emir teve rompantes de intolerância, sobretudo na fase mais crítica da história de Santarém, durante a crise que levou ao afastamento do então prefeito Elias Pinto.

 
Autoritarismo adquirido
 
Depois de escrever artigos ponderados, no ápice dessa crise, em 1968, Emir incorporou o espírito autoritário da época: “No meu débil entendimento, não consigo compreender como, em plena vigência de um governo revolucionário, não se tenha condições de intervir, legalmente ou não, para retirar esta cidade das manchetes sensacionalistas dos jornais.
Com carnavalescos, no Centro Recreativo de Santarém /ERCIO AFONSO
Com carnavalescos, no Centro Recreativo de Santarém /ERCIO AFONSO
Fez-se uma Revolução para varrer do país os corruptos e os subversivos; se a corrupção e a baderna voltam, intensificadas, como ora se verifica aqui, configura-se, a meu ver, o descalabro, a situação excepcional que está a precisar de um severo e imediato corretivo”. Pretendia “uma solução pacífica e legal, se for possível; fora da lei, sendo necessário...”
 
Essa solução acabou adotada, com a inclusão de Santarém dentre as áreas de segurança nacional, que não podiam mais escolher pelo voto popular seu dirigente máximo, o prefeito municipal. A partir daí baixariam os prefeitos nomeados pelo governador e sujeitos à aprovação dos órgãos federais de informações. Alguns dos quais elogiados por Emir. Outros, criticados. Ele continuou a ter voz ativa, escrevendo não mais apenas para os instáveis ou efêmeros jornais locais, mas também para os principais órgãos da imprensa paraense, como a Folha do Norte (já extinta) e O Liberal. Conforme ele próprio não deixa de anotar, era o único autor do interior do Estado acolhido pelos jornais de Belém. Não é pouca coisa.
 
Estranha combinação de homem e paisagem
 
A participação de Emir Bemerguy ao longo das três décadas de jornalismo semanal merece ser levada na devida conta. Ele testemunhou a descaracterização acelerada da cidade pequena, onde todos se conheciam e havia certa identidade difusa na sociedade, em torno de elementos da cultura valorizados (como a música, o artesanato e certas manifestações literárias, como a música), além do apreço pelas riquezas naturais da região, a maior delas a combinação do rio com suas margens de areia branca. E a metamorfose em algo ainda indeciso e inconcluso, mas profundamente alterado pela intervenção do estrangeiro (assim, mesmo quando de dentro do país).
 
Essa combinação de homem e paisagem é totalmente estranha aos que planejaram e executaram a travessia da cidade de um pólo a outro. Com suas pranchetas instaladas fora da região e avalizadas pelo poder centralizado em Brasília, que expedia éditos quase reais, eles equalizaram a cidade litorânea a uma urbe qualquer. Num dos seus artigos, Emir protesta com toda razão contra a desfiguração de Santarém quando o órgão federal pôs em prática projeto próprio, que engoliu a praia e emparedou o que restava do “belíssimo litoral defronte da cidade”. Podia ter sido muito diferente se a vontade de Santarém não tivesse começado a ser castrada pela intervenção federal de 1969, que duraria quase duas décadas.
 
 
Saudosismo e rabujice
 
À medida que o tempo passa, os artigos de Emir passam a ser necrológios: das pessoas, da cidade, de seu modo de vida, dos seus valores, da sua cultura – tudo sacrificado na pira do crescimento demográfico e econômico, travestido de progresso. O escriba se insurge contra a ação avassaladora dos imigrantes e dos intrusos, incluindo o governo de Brasília.
 
Certas manifestações suas podem ser classificadas de saudosistas, provincianas, rabugices. Muitas outras, não. Ele expressou como poucos valores de grande significado para os nativos, que os colonizadores (claro, sob outras denominações menos agressivas) desconhecem ou desprezam. Como eles têm o poder de mando, são eles que decidem o que pode ser mantido e o que deve ser eliminado. Os critérios da definição costumam ser obtusos e empobrecedores. Podem possibilitar arrolamentos quantitativos de impressionar e convencer os que vêem as mudanças por uma bitola estreita e curta.
 
Mesmo por esse ângulo, o balanço do que foi realizado não é positivo. Em 1982 Emir podia dizer: “A nossa imensa região vem contribuindo com 42% de tudo o que o Estado do Pará arrecada, mas recebe pouco mais que migalhas como contribuição”. Essa injustiça explicaria Santarém provavelmente ser então “a única cidade do mundo inteiro que, ostentando o seu porte e a sua importância, não possui uma Universidade”.
 
 
Homem de todo Tapajós
 
Universidades (ou centros de ensino superior) agora já existem, públicas e privadas, formalizadas ou ainda em casulo. Mas dos 42% de participação na receita, a região deve ter baixado para menos da metade. Se, por um lado, as compensações cresceram, a importância da região diminuiu. Nem por isso se fortaleceu a campanha pela autonomia, através da criação do Estado do Tapajós, bandeira à qual Emir foi aderindo aos poucos, desconfiado dos patrocinadores da nova unidade federativa.
 
Se os números não convencem o analista mais exigente, satisfazem muito menos os que utilizam parâmetros mais qualitativos da antropologia, sociologia ou mesmo literatura. E quem devia estar satisfeito, como beneficiário de tantos cavalos de pau colocados na praça central da cidade, não está nada satisfeito.
 
Disso, Emir não deixa dúvida nos seus artigos. Homem de todo Tapajós por sua nascença, em Itaituba, sua infância, em Belterra (a segunda cidade fundada por Henry Ford), e a maior parte da sua vida, em Santarém, Emir tem sensibilidade, olhos e ouvidos para o mais íntimo da sua terra, para o mundo que já existia antes dos colonizadores, verdadeirosbwanas à moda antiga, que consideram a si como o princípio de tudo, inclusive da história local, por eles ignorada ou desprezada.
 
Por isso se solidarizou com os remanescentes do último quilombo da Amazônia, o do Trombetas, quando eles foram expulsos de suas terras ancestrais para a criação de uma reserva biológica federal, que visava combinar com sua contrafação, a mina de bauxita do outro lado do rio, explorada por multinacionais.
 
A nova cultura que se forma é de voyuers, turistas apressados, como o jornalista Miguel de Almeida. Embora sua intenção fosse reconstituir a viagem que o antenadíssimo escritor Mário de Andrade, um dos modernistas de 1922, empreendeu pela Amazônia em 1927 (como “turista aprendiz”), quase seis décadas antes, o repórter não fez jus ao poeta.
 
Mereceu um tremendo puxão de orelhas de Emir porque, ao passar meteoricamente por Santarém, disse nada ter observado que merecesse registro. Nem o incrível encontro das águas barrentas do rio Amazonas com as do azul – então ainda límpido – Tapajós.
 
 
Um testemunho para ser lembrado
 
Não faltavam motivos para o visitante lamentar a falta de opções de lazer na cidade, lacuna de ontem e de hoje. Mas era totalmente insubsistente sua observação de que Santarém é uma dessas cidades “desenraizadas e forjadas repentinamente pelo progresso”. Nada mais oposto à verdade. E aí Emir foi buscar sua chinela:
 
“Santarém não foi, meu bom Miguel, forjada repentinamente pelo progresso, coisa nenhuma. Essa praga veio chegando aqui aos poucos, trazendo todo o seu estoque de venenos e remédios, de bênçãos e de maldições. Vivíamos muito melhor, com muito mais fartura e paz, antes de aportarem aqui o desenvolvimento adoidado e certos forasteiros que gostaríamos de ver à distância. O progresso nos tem oferecido mais contrariedades e desassossego do que benefícios reais. Mas isso é outra história, que não cabe aqui”.
 
O testemunho de Emir não pode ser sepultado na cova rasa da incompreensão e do esquecimento, como vários dos personagens cujo perfil ele traça, como se fora incumbido da extrema unção de um mundo tão recente e já tão remoto, do qual ele é elemento exemplar, uma espécie de “o último dos moicanos”. Mas que, felizmente, graças a iniciativas como a de Cristovam Sena, não terá o destino inglório de alguns dos seus companheiros de viagem.
 
Paulo Rodrigues dos Santos e João Santos (nenhum parentesco, exceto as afinidades intelectuais) quiseram destruir suas obras e arquivos, indignados com a indiferença da sociedade local. Paulo esperou cinco anos pelo lançamento de Tupaiulândia, em 1971. Doente, não pôde vir a Belém para a solenidade, mas o governador Fernando Guilhon o visitou em Santarém. Paulo Rodrigues morreu pouco depois. Mas uma edição digna da sua obra só surgiria muitos anos depois da primeira, patrocinada por uma instituição inteiramente local, o ICBS de Cristovam.
 
Do muito que João Santos escreveu, resta pouca coisa publicada. Infelizmente, seu arquivo permanece indevassável, mantido em injustificável isolamento pela família, quando podia exercer uma função fecundadora, como os três livros de Emir publicados nos últimos tempos pelo Instituto Cultural Boanerges Sena.