Simão Jatene
A cada dia, os desafios da sociedade moderna vêm impondo a todo cidadão, independentemente de credo, classe ou cor, uma maior responsabilidade coletiva, sem a qual se torna insustentável viver em grupo. Essa exigência, por razões óbvias, é ainda maior para os homens públicos, especialmente os políticos, para os quais coerência e compromisso com a realidade e com os fatos devem ser, cada vez mais, princípios fundamentais.
A atitude de achar que no exercício político é aceitável dizer qualquer coisa, banalizar a acusação irresponsável e a promessa irrealizável que, para alguns, chega a ser sinônimo de sagacidade e até competência, tem contribuído para aumentar as suspeitas sobre os homens públicos em geral e o descrédito nas instituições, desqualificando a atividade política como capaz de promover transformações necessárias.
Agravando o quadro, essa compreensível e até justificável desconfiança vem sendo estrategicamente manipulada e potencializada até mesmo por alguns políticos que, com história pouco ou nada recomendável, têm maior chance nas disputas eleitorais quanto mais sucesso obtiverem patrocinando a idéia de que 'todo político é igual'. O que remete as escolhas eleitorais para o dramático e pantanoso critério do 'menos pior', ou até mesmo do 'rouba mas faz'.
Nesse cenário, a desinformação e, ou, controle e manipulação da informação se tornam armas fundamentais, fazendo da 'opinião pública' presa daqueles que podem impor, ainda que temporariamente, suas versões sobre os fatos, mesmo quando essas, muitas vezes, são escandalosamente conflitantes com a realidade.
A mentira e o proselitismo, inclusive na conhecida estratégia de transferir responsabilidades para esconder fragilidades, surgem como elementos decisivos para o reforço da perversa 'lógica' de que o que importa é a versão e não o fato. Sem limites, a idéia de que 'os fins justificam os meios', além de discutível, abre caminho para o império da violência nas suas mais diversas formas, fazendo com que ela se afirme como princípio aceitável de comportamento social. Instala-se a sociedade do 'vale tudo', do 'cada um por si', num cenário onde todos se acham apenas com direitos e sem deveres.
Reagir a isso é, pois, a razão maior dessa carta.
Por todo o ano de 2007, assisti paciente e silenciosamente a membros do governo, inclusive a Governadora, com maior ou menor grau de virulência e sensacionalismo, reproduzir o velho bordão da 'herança maldita', para se esquivar e justificar toda e qualquer crítica a erros e omissões cometidas pelo governo atual.
Até pela condição de ex-governador e, como tal, conhecedor da tão honrosa quanto árdua tarefa que é governar o Estado, mesmo correndo o risco de ser avaliado pela máxima, nem sempre correta, do 'quem cala consente', preferi o silêncio, creditando o comportamento do novo corpo dirigente à sua necessidade de responder, de alguma forma, às enormes e nem sempre sustentáveis expectativas criadas em campanha.
Tal dedução nos parecia a mais razoável, inclusive pela forma absolutamente democrática e transparente como foi realizada a transição, que é bom lembrar, conforme noticiado á época, sugeri, até para evitar manipulação política, que a mesma fosse acompanhada por órgãos externos ao poder executivo, inclusive pelo Ministério Público, o que não foi aceito pelo governo eleito.
Todavia, passado um ano, além de manobra para desviar o foco de fatos desgastantes e a dificuldade de se justificarem face a um desempenho claramente insatisfatório e cheio de trapalhadas, a recorrência aos mesmos pretextos parece ser uma deliberada e orquestrada campanha difamatória e de desconstrução de imagens, o que torna impossível calar, sem se curvar à esperteza. Uma mentira repetida à exaustão pode até, para alguns, parecer verdade, mas continuará sendo, sempre, mentira.
Assim, sem qualquer interesse em polemizar e contribuir com a desatenção da Governadora para com tarefas inerentes ao cargo, mas por princípios e valores que acredito necessário preservar, e em reconhecimento ao respeito e carinho que sempre recebi do povo do Pará, vamos aos fatos.
Após um ano de governo, além do claro descompasso entre promessas, discursos e as realizações, estamos assistindo, num típico clima de campanha fora de época, a um festival de manifestações que tentam confundir, desqualificando tudo o que foi feito na gestão anterior, e alardeando estar entregando à população obras e serviços que já lhe pertenciam.
Num claro esforço de torturar a realidade para que ela confesse não ser real, temos visto ser reafirmado que 'agora sim, os hospitais regionais saíram do papel', como se as populações de Santarém, Redenção, Altamira, Marabá e até da Região Metropolitana de Belém, em especial a de Ananindeua, que acompanharam o surgimento e conclusão de cada uma dessas obras, tivessem sido acometidas de delírio, e que tais obras não tivessem passado de miragem, surto de esquizofrenia coletiva.
Como, a não ser violentando os fatos, apagar o discurso proferido pela prefeita de Santarém, do partido da própria Governadora, quando da visita às instalações do Hospital Regional do Baixo Amazonas, diante da qualidade das obras e, particularmente, dos equipamentos de última geração instalados e a muito requeridos pela região? Fato presenciado por dezenas de lideranças e centenas de pessoas.
Ao negar isso, o atual governo, por motivação que só pode ser política, não engendra apenas uma nova inauguração, ou evita o desconforto de ter que admitir como falso seu discurso de campanha, dizendo que os hospitais não estavam sendo construídos. Mais que isso, retira da população o direito de contar com um serviço que já poderia estar disponível. E aí reside a gravidade maior de tal comportamento.
A verdade que parece incomodar é que a 'Agenda Mínima', por nós apresentada no início do governo, trazia como compromisso a construção de 5 hospitais de média e alta complexidade, e os mesmos foram construídos e equipados. Apesar do atual governo, em confronto com os fatos, tentar negar.
Além desses, e é bom que se diga, estavam ainda em construção o Hospital do Marajó, em Breves, com 75% das obras físicas já realizadas, e um hospital geral em Tailândia, com 90% concluído, sem falar do Hospital Oncológico Infantil, em Belém, este, sim, apenas iniciado.
Importante ainda é esclarecer que, por conta de contrato assinado com o BNDES, ficaram garantidos em torno de 40 milhões de reais para conclusão desses últimos, o que certamente poderia ter ocorrido já em 2007, se o governo estivesse menos preocupado em tentar apagar o passado do que em realizar investimentos que atendam à população, fazendo, na prática, da saúde, uma prioridade.
E aqui não é possível deixar de fazer referência ao constante discurso de que o Estado foi encontrado completamente desequilibrado, um verdadeiro caos, com mais de 250 milhões de dívidas e apenas pouco mais de 1 milhão de reais em caixa, recorrentemente utilizado pela Governadora e alguns de seus secretários, todas as vezes que procuram justificar o desempenho da sua administração.
Tais afirmações, que tentam passar para a opinião pública a imagem de balbúrdia, 'cofre vazio' e 'terra arrasada', conquanto possam ter algum efeito publicitário, não encontram qualquer correspondência com os fatos.
Antes de tudo, é bom lembrar que nas justificativas de vários decretos, como os de número 029 de 28 de fevereiro de 2007, ou 030 datado de 1 de março de 2007, entre outros, todos publicados no Diário Oficial do Estado, Sua Excelência Governadora assina o seguinte texto: 'O Estado do Pará tem conseguido cumprir as metas do Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal da Secretaria do Tesouro Nacional', o que por si só é absolutamente incompatível com o discurso do caos. Desse modo, sem pretender ser indelicado, e até com certa perplexidade, cabe perguntar: onde está a verdade? Nos discursos para os meios de comunicação ou nos documentos oficiais assinados e publicados?
Por outro lado, como uma administração em completo desequilíbrio não desencadeia forte programa de contenção de gastos, especialmente correntes, permitindo que em 2007 as viagens só para o exterior tenham sido de quase uma centena, e os gastos com publicidade fossem 20% superiores aos de 2006?
O fato que os paraenses precisam saber é que mesmo tendo sido fortemente discriminado pelo Governo Federal, que no período 2003/2006 deixou de transferir para o Estado aproximadamente 1,3 bilhão de reais, procuramos honrar compromissos assumidos com a população e registrados na Agenda Mínima.
Só como exemplos, enquanto em 2002 as transferências constitucionais para o governo do Pará já somavam, a preços constantes, 3,003 bilhões de reais, em 2003 foram de apenas 2,292 bilhões de reais, ou seja, mais de 700 milhões de reais a menos. Em 2004, 2,546 bilhões de reais, em 2005, 2,828 bilhões de reais e, só quatro anos depois, isto é, em 2006, voltaram para o nível de 2002, alcançando 3,075 bilhões de reais. Os números estão disponíveis para quem quiser constatar. E aqui, mais do que autopromoção, aproveito para agradecer à equipe de governo e, especialmente, aos servidores públicos que nos ajudaram a enfrentar essas dificuldades.
Assim, sem quebrar princípios inerentes à administração pública e às questões de Estado, na 'conta única', bem como nas várias outras contas vinculadas do Governo, no Banco do Estado do Pará, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, ficaram depositados mais de 250 milhões de reais. Tais recursos, quando somados aos recursos de 2006 que só ingressaram nos cofres públicos em 2007, conforme também é admitido em decretos assinados pela própria Governadora, dentre os quais os anteriormente citados, garantiram o equilíbrio das contas públicas, mesmo tendo sido realizados investimentos importantes, como o 'Hangar', fartamente criticado em campanha e hoje assumido como obra exemplar e ícone do Estado.
Por outro lado, sem pretender abusar da paciência dos que nos lêem, registre-se ainda que o nosso governo, após longas negociações, contraiu operações de crédito no valor de, aproximadamente, 790 milhões de reais. Destes, foram utilizados apenas pouco mais de 250 milhões, ficando então disponíveis para o governo atual mais de 500 milhões de reais, para construção de pontes, pavimentação de estradas, saúde e saneamento, além de apoio aos municípios. Recursos cuja não visibilidade ou utilização ano passado não tem explicação razoável, a não ser uma deliberada estratégia de ganhar tempo para tentar desvincular sua origem do nosso governo.
Finalmente, mais uma vez agradecendo a atenção dos leitores, e me desculpando por ter que vir a público tratar destas questões que podem parecer de menor importância, quero reafirmar minha inabalável crença de que o Pará é maior que qualquer partido ou liderança política, desejando que o Estado continue crescendo e enfrentado seus maiores desafios que são a redução da pobreza e das desigualdades. Nos meus 60 anos de vida, dos quais mais de 35 como servidor público, continuo a crer que certas manobras políticas, fundadas na esperteza, podem até gerar alguns votos de desavisados, mas jamais conquistam o respeito. Sem menosprezar o voto, há muito fiz minha opção. Prefiro continuar tendo o respeito.
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