Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
Pelo cronograma original, prefeitura de Belém já devia ter asfaltado um quilômetro de orla da avenida Bernardo Sayão, batizada com grandiloqüência típica da atual administração municipal como “portal da Amazônia”. Mas a pista lançada sobre a baía de Guajará permanece com seu revestimento primário. Um acompanhante atento das obras, observando que há muita terra e pouca pedra no leito da via, atribuirá a esse desequilíbrio de materiais a causa da instabilidade. Segundo uma fonte, a estrutura já cedeu um metro, impossibilitando por enquanto a colocação da cobertura de asfalto. O recalque era previsível por causa do tipo de solo na margem do rio, mas não na escala que já atingiu. É provável que tenha faltado mais pedra no dique e essa falta derive da busca de economia de custo.
Se a prefeitura está com dinheiro em caixa, faltam os recursos necessários para que as obras da orla sigam o cronograma original, nessa que é a etapa preparatória (e a mais barata) para a execução da mcrodrenagem da baixada da Estrada Nova. Embora o “portal da Amazônia” seja uma das obras de maior visibilidade de Duciomar Costa para a campanha pela reeleição, ele tem que dividir suas verbas por outras frentes se quiser vencer as fortes resistências de parte do eleitorado da capital ao seu nome. Talvez não esteja em condições de manter um front de serviços de acordo com suas pretensões. Ou, quem sabe, da mesma maneira como o dique recalca, os recursos desviam.
É certo que, quando estiver pronta, a orla será mais do que uma nova janela para o rio na cidade emparedada: será uma autêntica varanda, mais extensa do que todas as aberturas já feitas para a baía. Mas a obra está sendo mais aproveitada pelas construtoras, incorporadoras e imobiliárias do que pela população. Foi o proprietário de um dos terrenos contíguo ao Mangal das Garças, que cedeu uma faixa de terras para haver entrada até o dique, detalhe relevante, mas ignorado na maquete eletrônica do “portal”, concebido e realizado sem um verdadeiro projeto de engenharia. Sem essa cessão seria impossível chegar à nova orla, que não tinha entrada conectada à rede viária já existente na área.
O cedente nada perdeu, muito pelo contrário. Vendeu seu terreno por um preço quatro vezes maior do que ele valia antes do início do “portal”. Ali, um grande grupo nacional, a Inpar, que se instalou no ano passado no Pará, já aprovou um prédio residencial de sete andares, com um de garagem. Fala-se de tratativas de bastidores para que o gabarito nessa área supervalorizada seja elevado para 30 andares, devolvendo à cidade um paredão (agravado, porque de concreto) do qual ela tenta se livrar, sem maior sucesso.
A tendência parece ser a do “liberou geral”. A Village realizou a triste façanha de levantar duas torres gêmeas de 40 andares na Doca de Souza Franco, um disparate que logo encontrará imitadores, interessados em façanhas e lucros leoninos. Conseguirão consumar mais esses absurdos arquitetônicos, urbanísticos e sociais?
As aparências indicam que sim. As negociações dos líderes da especulação imobiliária desenfreada são feitas vis-à-vis o prefeito e seus assessores mais próximos, em conversas de gabinete. Como o código de obras permanece em suspenso, o que podia ser não é e o que devia ser fica esquecido. A Câmara Municipal faz de contas que as agressões ao bom senso na vida coletiva não lhe dizem respeito. Depois que, pela primeira vez, um desembargador apareceu na televisão como garoto-propaganda da mais feroz das construtoras de espigões, qual a expectativa da população em relação ao judiciário como instância corretiva dos desmandos?Belém está adquirindo uma forma indesejável: virou a casa da mãe Joana.
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