Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal
A carreira política está sob controle familiar no Pará. Essa situação engendra abusos no uso do poder público e impede o surgimento de novas lideranças. É tão flagrante o abuso que começa a provocar reações, como a dos leitores deste jornal. Quem mais se apresenta ao debate?
Muaná é uma festa? Segundo o testemunho de um leitor, que – provavelmente por ser da área – pediu para não ser revelada sua identidade, Muaná é uma festa irrestrita para a família do prefeito. Os Cunha são os donos virtuais do município, na ilha do Marajó, que concentra os piores índices de desenvolvimento do Estado (e do país), sendo rentável apenas para uma casta de administradores públicos e suas extensões familiares e patrimoniais. Eles ocupam numerosos cargos públicos, são prestadores de serviços para o município e exibem sinais de prosperidade raros de surgir na área.
Os leitores começam a responder à conclamação feita por este jornal para um levantamento sobre as famílias de políticos e suas práticas nepotistas. Não se trata de caça às bruxas (que, no entanto, las hay, sin embargo). É que o cidadão está mesmo descrente dos políticos: o número recorde de cartas sobre o tema revela esse estado de espírito, que exigiu a abertura de espaço para ecoar a voz rouca das ruas. Pela primeira vez, seus personagens ocupam a capa deste jornal pessoal.
Há famílias que se destacaram por abrigar verdadeiros políticos, com participação destacada na vida nacional, como os Nabuco ou os Mello Franco. O que os distingue dos que apenas se servem da política como instrumento de interesses pessoais é defenderem idéias e assumirem posições que se sustentam em argumentos, em causas, em idéias. Não serviram de barreira à renovação da representação política da sociedade, nem se tornaram donos de partidos. Também não provocaram assalto aos cofres públicos, ou gastos imoderados, insensatos.
É sobre estes que se volta a mira deste jornal, com a participação dos seus leitores. O objetivo é oxigenar a política no Pará, tão anêmica há tempos, incapaz de ter participação ativa e eficaz na difícil história do Estado. Se possível, mudar alguns hábitos, mesmo os que acarretam pecados veniais, sanados com alguma explicação, mesmo a esfarrapada.
Na última segunda-feira, por exemplo, o deputado estadual Joaquim Passarinho apareceu numa coluna social ao lado de servidores do seu gabinete. A nota destacava seu gesto, de homenagear as mulheres que lhe prestam serviço na Assembléia Legislativa no dia que lhes é dedicado universalmente. Só que essas distintas e operosas cidadãs somam nove servidoras. Como conseguem se acomodar num dos pequenos gabinetes reservados aos parlamentares na Assembléia Legislativa do Pará? E realmente o nobre deputado precisa de nove auxiliares, todas do extinto sexo fraco? Se o pagamento saísse do seu bolso, chegaria a tanto?
Os nossos perdulários representantes políticos, assim como seus desatentos eleitores, deviam fazer uma visita ao parlamento inglês, a mais exemplar referência em matéria de democracia representativa moderna. Se a visita se prolongar, verão deputados chegando ao local de trabalho de bicicleta ou – sempre – em seus próprios carros. Não têm motorista, seus assessores são servidores de carreira, concursados, em número reduzido. Não dispõem das verbas de representação que fazem a delícia e são a tentação dos nossos parlamentares. E ganham muito menos do que nossos Licurgos, embora não sejamos propriamente mais ricos do que os súditos de sua majestade, a rainha.
Além de extrapolarem os padrões aceitáveis de fruição do poder, nossos políticos querem exercer controle cada vez maior sobre a formação dos quadros partidários, impondo com mão de ferro seus interesses. Essa é uma das principais causas da pobreza de alternativas em mais uma eleição no Pará. Ou melhor: da falta de alternativas para um eleitor que ainda acredite em mudanças. Não há lideranças novas nem de credibilidade.
Às vezes até surgem valores individuais, mas logo eles são absorvidos pelos vícios da prática política. A perspectiva que abriram se fecha rapidamente e o eleitor é obrigado a encarar sempre as mesmas figuras, como acontecerá, sobretudo, na capital. Qual dos candidatos em potencial à prefeitura de Belém pode representar uma novidade? Só se aparecer um azarão de última hora, um desses acidentes salutares que renova a utopia e adia o sepultamento definitivo da esperança.
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