quarta-feira, 26 de março de 2008

Penso, logo existo

Bellini Tavares de Lima Neto
Advogado, articulista de O Estado do Tapajós


Um dos tópicos que eu pretendia inserir aqui se refere a um hábito que às vezes me parece que nós estamos perdendo. Trata-se do hábito de pensar. Antes que alguém conteste e me chame de extremista ou, o que é pior, um desses tipos conservadores que vivem lançando aquele “as novas gerações são isto ou aquilo”, vamos esclarecer direitinho. É evidente que capacidade para pensar, todo mundo tem e sempre teve. Ninguém era melhor ou se tornou melhor que ninguém em matéria de capacidade. O problema talvez seja o nível de comunicação que se tem hoje e que mostra com muito mais clareza o que sempre existiu, mas ninguém via ou percebia. Ou então é o tamanho da luta pela sobrevivência que obriga todo mundo a entrar de cabeça nela e consome todo o tempo e energia que se tem. Aí, todo o resto acaba ficando no prejuízo. E como dizem os cientistas, o que a gente não usa acaba atrofiando.
Hoje pela manhã eu ouvia um debate promovido pela Radio CBN entre dois deputados federais a respeito de um tema que vem ganhando dimensão: as medidas provisórias, seu uso pelo Poder Executivo e o movimento no sentido de limitá-las.
Antes mesmo de se tocar no debate de hoje, vale a pena observar que o atual ocupante do Palácio do Planalto anda furioso porque estão falando em limitar o uso das Medidas Provisórias. Aí ele vem a público afirmar que sem medida provisória não dá para governar. O curioso é que Medida Provisória é uma forma de legislar. Legislar é atribuição do Poder Legislativo. Poucos dias antes, o mesmo ocupante do Palácio do Planalto (acho que era o mesmo, não?) teve outro ataque de fúria (esse moço vive furioso. Isso faz mal a saúde) porque alguém, do Poder Judiciário andou dizendo alguma coisa sobre uma de suas iniciativas, Tinha alguma coisa a ver com uma campanha de distribuição de dinheiro durante um ano eleitoral e andaram dizendo que havia pirão por baixo daquele angu.
Neste momento não tem importância saber se havia ou não o tal pirão por baixo do angu e nem se o homem do Poder Judiciário tinha razão ou direito de falar o que falou. O que me chama a atenção é que o mesmo moço que disse que o homem do Poder Judiciário não podia meter sua colher no caldeirão do Poder Executivo, agora está bravo porque estão querendo limitar que ele, o moço furioso, meta a sua colher no caldeirão do Poder Legislativo. Ou editar leis sob a modalidade de medidas provisórias não é meter a colher no caldeirão do outro poder, o tal que deve fazer as leis?
Sabe o que é? É que as pessoas andam tão atarefadas, tão assoberbadas como se dizia antigamente, que não param para pensar que o que disseram ontem é exatamente o contrário do que estão dizendo hoje ou vice-versa. Aí, o jeito é dizer que as pessoas mudam, que vale a história da metamorfose ambulante e coisa e tal. Não sei, não, mas alguma coisa parece esquisita e até um pouco perigosa. Se a gente começa a mudar desse jeito, como é que se faz para viver no dia a dia? Se a regra de hoje pode não valer amanhã, como é que a gente vai atravessar a rua ou conversar com o nosso chefe ou dizer uma coisinha bonita no ouvido da nossa namorada?
Por isso é que é preciso pensar. Pensar no que se diz, no significado do que se diz, do que se faz, nas teses e posições que se defende. E então eu volto ao debate de hoje, mediado pelo jornalista Adalberto Piotto. Lá estavam os dois deputados federais, integrantes do Poder Legislativo, defendendo suas posições. O governista defendia o governo e o oposicionista atacava o governo, independente do que se tratava. O incrível, no entanto, é que os dois membros do Poder Legislativo em momento algum defenderam o Poder Legislativo cuja função é legislar, fazer leis, aprovar leis. O governista defendia a opinião do atual ocupante do Palácio do Planalto no sentido de que sem as Medias Provisórias não é possível governar porque o Congresso Nacional é lento e ineficiente. O oposicionista, por sua vez, dizia que havia um excesso de uso das tais Medidas Provisórias e que isso precisava ser limitado. Ele disse “limitado” e não “extinto”. Ou seja, em essência, ele concorda com o colega, mas diverge apenas no volume. Em síntese, o Congresso não funciona.
Aí o jornalista Adalberto Piotto perdeu a paciência e fez uma intervenção meio chata: “Um momento, senhores: chegamos então ao ponto do PAREM O CONGRESSO QUE EU QUERO DESCER? Ou seja, se tudo é tão ineficiente, para quê o Congresso Nacional, para quê o Poder Legislativo, para quê os deputados e senadores?”
Meus amigos, os dois moços ficaram tão atrapalhados que quase perderam o rumo da prosa. É que o jornalista resolveu estragar a conversa com esse tal hábito de pensar. Do jeito que a coisa vai indo, logo vamos ter mais um “slogan” circulando por aí: ”O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE: PENSAR É PERIGOSO E FAZ MAL A SOCIEDADE”. Ou será que vai ser a Casa Civil que vai editar?

São Paulo, 24 de março de 2008.

Nenhum comentário: