Lúcio Flávio Pinto
Como quase toda personalidade pública, o ex-governador Almir Gabriel é amado e odiado. Qualquer que seja o sentimento que provoque, sua pessoa interessa à opinião pública. A notícia sobre o infarto que o acometeu provocou uma onda de reações díspares no Estado, como era de se prever. Sempre há pessoas de maus bofes, a desejar-lhe o pior. Mas no turbilhão de reações, a onda dominante carregou o desejo de todos nós de que ele supere mais uma adversidade física e retome sua vida normal, embora alguns de seus hábitos contribuam para o contrário, contra as expectativas que um médico podia suscitar em se tratando de saúde.
Muito do que o ex-governador realizou em sua vida é função dos seus méritos pessoais incontestáveis, a despeito de algumas características da sua personalidade desfavoráveis a uma convivência mais proveitosa, sobretudo em política. Mas certamente ele não chegaria tão longe sem o apoio que a sociedade paraense lhe deu, em função das esperanças que despertou (e também frustrou). Logo, o interesse da opinião pública não é só legítimo: devia ser considerado bem-vindo e atendido.
A decisão, atribuída à família, de bloquear ou limitar a divulgação de boletins sobre a evolução do estado de saúde do ex-governador durante o seu período de internamento no Hospital do Coração, em São Paulo, desserviu a quase todos, exceto aos que se lançaram sobre o episódio com maus instintos e propósitos. Informações corretas e suficientes teriam bloqueado os efeitos de boatos malignos e interpretações viciadas, gerando uma cadeia de notícias consistentes, mesmo que graves.
Claro que mesmo informações exatas podem receber análises desfavoráveis à figura do ex-governador, mas isso é inevitável na vida pública. Constitui a parte de espinhos da coroa de flores que tanto fascínio exerce. Quem usufrui as vantagens do poder tem que estar preparado para seus sacrifícios.
Os modos autoritários e egocêntricos criaram mais problemas para o ex-governador Almir Gabriel do que seus inimigos, adversários, ex-correligionários e ex-amigos. Estas duas últimas categorias têm apresentado um crescimento recente bem maior do que as anteriores porque ele deixou de admitir críticas, expurgou a pluralidade do seu âmbito e fez da própria vontade o eixo da sua atuação. Perdeu assim a capacidade de analisar com proveito a realidade.
Em sua boca, a frase suprema da monarquia absolutista francesa não soava despropositada: “o Estado sou eu”, pensou o doutor Almir em 2006, impondo sua candidatura fora de época. Ao ter que encarar a derrota, amargou a sua vida e a dos que lhe estão próximos. Com relutância, abandonou a vida pública, de forma hesitante e desastrosa, cobrindo com fel o encerramento de uma carreira brilhante, quando devia ser magnânimo e superior, porque a história lhe foi generosa.
Numa visão mais tolerante e ampla, ele teria percebido que sua fracassada tentativa de se tornar o único político a ser eleito por três vezes para o governo do Pará teve tanto do seu erro quanto do desamparo em que o deixou o seu sucessor. Simão Jatene podia ser fiel às suas palavras e do seu patrono: de que, acima das pessoas, estava o projeto do “novo Pará”, e que seria eternamente grato ao antecessor, que lhe deu a vitória ao permanecer até o fim no cargo e usar a máquina do poder para carregar o candidato pesado. Mas Jatene também teve bons motivos para se indignar com o uso plenipotenciário do poder de decidir que Almir fez, impondo o seu nome sem a menor consideração pelo governador e seu direito de reivindicar a reeleição, tal qual o antecessor. O projeto pessoal prevaleceu e ambos pagaram caro pela contradição. O Pará, muito mais que eles, em longas parcelas, ainda a vencer, sabe lá quando.
O isolamento de Almir Gabriel, na condição de mau perdedor, foi uma punição para ele e para os que lhe querem bem, a despeito de todos os seus defeitos, em quantidade e significação menor do que os seus méritos. Bertioga, contudo, não é Colombey-les-deux-Églises e o povo, que ele ignorou nas despedidas, não foi buscá-lo para vir marcar com sua presença as eleições municipais deste ano, como um De Gaulle tabagista. A solidão apenas o fez acrescentar mais uma carteira à sua insensata dieta diária de quatro carteiras de cigarros.
O resultado só não foi pior porque, no fim de semana, ele não estava tão só quanto ficava nos dias úteis, no condomínio fechado no litoral norte paulista. Como já acontecera quando da hemorragia na aorta abdominal, no seu primeiro mandato de governador, ele se salvou quase por milagre (milagre extensivo ao vice, Hélio Gueiros Jr., no sentido mais ativo da expressão).
Todos nós, paraenses de boa vontade, gostaríamos que o doutor Almir Gabriel interpretasse corretamente esses sinais e reescrevesse o epílogo de sua vida pública, para o bem de todos e felicidade geral do Estado, adicionando-lhe mais capítulos do que os ventos adversos sugerem. Longa vida, doutor Almir. Com superioridade e bom senso.
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