sexta-feira, 25 de abril de 2008

E a gente reclama com quem?

Bellini Tavares de Lima Neto
Articulista de O Estado do Tapajós

Antigamente se dizia que “em casa que não tem pão, todo mundo grita e ninguém tem razão”. Apesar de antigo (e o antigo, hoje em dia, parece ter virado sinônimo de tolice, coisa sem serventia, superada, ultrapassada) o ditado faz a gente pensar. Na velha sociedade brasileira a família normalmente era formada por um pai que trabalhava fora e ganhava o sustento da turma, uma mãe que cuidava dos filhos e os próprios, os filhos, que eram educados para seguirem os mesmos passos dos pais. Quando um dos dois, pai ou mãe, não conseguia fazer a sua parte, a coisa desandava. Pai que não trouxesse o chamado “pão de cada dia” caia em desgraça, perdia a autoridade, a moral e, aí, podia gritar o quanto quisesse que ninguém ouvia. A mãe que não andasse nos trinques com a casa, a roupa lavada e passada, a comida na hora certa, perdia até o direito de dar o conhecido sermão nos filhos, perda, aliás, que mãe alguma suporta.
Felizmente esse modelo há muito tempo deixou de funcionar. O que, no entanto, não deixou de funcionar foi a figura do pai e da mãe como orientadores, condutores da turminha. E para isso, além do pão, é absolutamente necessário que haja um outro componente: a autoridade. Autoridade não se confunde com autoritarismo. Autoridade vem temperada com um ingrediente essencial: o respeito. O sujeito grandalhão, forte e bravo, acaba criando medo em quase todo mundo, mas quase nunca merece respeito algum. Na primeira oportunidade, alguém lhe prega uma peça que, em algumas vezes, vem revestida de chumbo. Aí, adeus autoritarismo, mesmo porque autoridade, aquele prato temperado de respeito, isso o valentão nunca tem para perder.
Desde o clubinho de futebol do bairro até as grandes instituições mais sofisticadas, nenhum agrupamento humano sobrevive sem a presença de autoridade. É ela quem dá as coordenadas, mantém a ordem, estabelece os limites e assegura a sobrevivência de princípios, direitos e obrigações. É comum ver famílias em que a autoridade paterna e materna é substituída pela atitude fácil da concessão de tudo. Em lugar do “não” muitas vezes necessário aos filhos, é bem mais fácil dizer um “sim” que, embora simpático a quem ouve, pode ser um grande engano. Afinal, pais e mães omissos podem dizer “sim” por comodismo, mas a vida, essa não faz concessões.
No entanto, parece que isso tudo ficou ultrapassado também, assim como o ditado. Basta dar uma olhada nos jornais dos últimos dias. Um reitor de uma universidade de Brasília resolver usar dinheiro da instituição para reformar seu apartamento. Gasta “apenas” R$400.000,00 e acha que tudo está perfeito. Por pressão dos jornalistas, o assunto ganha notoriedade. Seria de se imaginar que alguém do governo democraticamente constituído tomasse a iniciativa de investigar e, se fosse o caso, punir o “reformista militante”. Transportando para o cenário das antigas famílias, papai ou mamãe chamaria o garoto levado e, constatando a peraltice, o colocaria de castigo. Na nossa Brasília, que apenas rima com “família” (e, como já disse antes o poeta, pode ser uma rima, mas não é uma solução) é preciso que os estudantes invadam a universidade e por lá permaneçam por semanas a fio até que o peralta resolva parar com a traquinagem. Invadir o prédio é uma forma totalmente errada de corrigir o problema, mas a omissão da autoridade acabou legitimando o que fizeram os estudantes. Um a zero contra a autoridade.
Mas, a goleada ainda estava por vir. Chegamos ao mês de abril, quando, já tradicionalmente se coloca em prática um disparate que recebeu o nome de “Abril Vermelho”. A turma do “movimento social” batizado de MST resolve fazer uma série de invasões para pressionar a implantação da reforma agrária. Todo ano tem, assim como o Carnaval. Só que, agora, além dos “ST”, os ditos “sem terra” já existe um bocado de outros “sem alguma coisa”. E os solertes revolucionários invadem o prédio da Caixa Econômica Federal, saqueiam fazendas, matam o gado, destroem plantações, impedem pedágios de cobrar a tarifa a quem tem direito por conta das concessões recebidas do governo para conservar as estradas. Vem a televisão, filma os idealistas que riem com gosto, felizes com o dinheirão que a “autoridade” lhes fornece. Oito a zero contra a autoridade.
Confesso que fico um pouco atrapalhado. O nosso querido país tem, hoje, um “pai dos pobres”, imitação grosseira de um outro, mais antigo, por cujos estragos ainda estamos. Agora temos uma tentativa de “mãe dos pobres” que vem sendo empurrada goela abaixo meio a seco. Só não temos mais autoridade nenhuma. Em lugar disso, a peraltice se espalhou. Viramos o país da traquinagem, com direito a afago de mão na cabeça. Todo mundo grita e ninguém tem razão. E, pelo que se tem ouvido, não é por falta de pão. Tomara que não seja por falta de pau...na moleira.

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