quinta-feira, 24 de abril de 2008

Memória de Santarém - Por Lúcio Flávio Pinto

1959

Ontem como hoje
A Comissão de Serviços à Comunidade do Rotary Clube de Santarém fez, em setembro de 1959, pela imprensa, um apelo que é um retrato da cidade nessa época. Em linguagem contida e com muito tato, era uma crítica às autoridades e uma censura aos hábitos da população, especialmente à sua inércia. Também um diagnóstico da perda de qualidade da cidade e da existência de problemas, que, sob outras formas e intensidade, persistem até hoje. Dizia o apelo:
Dentro de um clima de respeito, devemos confessar que Santarém ainda precisa de mais reajustamento de suas necessidades.
Sem o menor respeito à comunidade, o leite, principal alimento das crianças, é vendido com bastante água por alguns elementos alheios ao senso de responsabilidade.
O pão, alimento sagrado, indispensável à mesa do pobre e do rico; infelizmente, agora, estamos adquirindo manufaturado de véspera e até mesmo de dois dias. Não se compreende que outras cidades muito mais atrasadas que Santarém, tenham o pão fresco e saboroso pela manhã.
Oxalá os proprietários de padarias, pessoas esclarecidas, procurem contornar essa lamentável situação, oferecendo à população pão fresco e bom, como outrora.
A nossa sala de visitas, o coração da cidade, está com suas calçadas superlotadas de vendedores ambulantes e caixas de engraxates, que obstruem o livre trânsito das vias públicas.
Seria oportuno que as autoridades competentes tomassem mediante atitude para regularizar o que nos parece tão fácil, Para isso, a Comissão de Serviços à Comunidade do Rotary Club de Santarém está à disposição para colaborar no sentido de melhor servir.
Resposta
A Associação Profissional dos Trabalhadores nas Indústrias de Panificação deu o troco. Em nota oficial, assinada pelo presidente, João Roberto Pimentel, procurou justificar a situação. Alegou que a fabricação do pão durante o dia decorria da impossibilidade de os proprietários das padarias manterem duas turmas de trabalho, "o que implicaria no aumento do produto". Explicaram ainda que o tempo normal de fermentação do pão exigiria trabalho noturno para poder oferecê-lo pela manhã, "o que implicaria no aumento do salário", com o acréscimo de 20% sobre o valor da jornada diurna.
Essas alternativas eram inviáveis porque a associação não concordava "em abrir mão de qualquer direito de seus associados, assegurado em lei. Lamentava "não poder tomar qualquer medida contrária ao atual processo de fabricação do pão, que decorre da razão direta da angústia que atravessa as indústrias e o comércio, face a restrição do crédito". Mesmo que pudesse, porém, "somente tomaria qualquer atitude se não viesse a onerar ainda mais o produto. Que se tornaria então proibitivo para a classe pobre, pois o direito de comer pão não pertence a classes privilegiadas, mas ao povo sem qualquer distinção".
Apesar de todas as ressalvas, logo depois a Padaria Vitória começou a vender de novo o pão fresco.
Carne
Apesar de não ter tido as respostas esperadas, a comissão prosseguiu na sua campanha comunitária. O passo seguinte foi um "veemente apelo" ao prefeito, que já era Ubaldo Corrêa, "para que tome medidas enérgicas contra o conhecido abuso à nossa pacífica comunidade de alguns gananciosos açougueiros que, além de venderem a carne por preço que bem entendem, ainda primam pela inexatidão das pesadas". Os rotarianos da comissão deixavam de sugerir as medidas a serem tomadas por estarem bem certos de que o prefeito "bem as conhece e saberá pôr em prática o zelo que tem pelos seus munícipies".

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