domingo, 27 de abril de 2008

O eterno mocorongo

A seção de Cartas de O LIBERAL publica hoje, sob o título acima, a artigo a seguir, assinado por Laura Simões.
Leia abaixo e logo a seguir o complemente do Espaço Aberto:

No dia 25 de abril de 1918 nascia em Santarém do Pará Osmar Loureiro Simões, o inesquecível Radialista santareno. Seus pais portugueses se radicaram em Santarém, no princípio do Século XX: Antônio Simões Torres d’Albuquerque e Felisbina Loureiro Simões.
Ele, empreendedor nato, industrial e comerciante; ela, da nobreza portuguesa, tinha o brasão Loureiro em suas propriedades. Voltaram a Portugal para batizar o filho Osmar em Vianna do Castelo.
Osmar teve um irmão e uma irmã. O irmão Antônio, chamado Simõeszinho, teve o nome perpetuado na Avenida Antônio Simões, como reconhecimento pelos serviços prestados a Santarém. Sua irmã, professora Maria Hermínia, foi inesquecível mestra de duas gerações. Estudou interno no Colégio São Jerônimo da professora Clotilde Peixoto Pereira e concluiu o Pré-Médico no Ginásio Paes de Carvalho.
Ingressou na radiofonia paraense, na PRC-5, Rádio Clube do Pará, onde foi locutor, apresentador de programas de auditório, rádio-ator no auge das novelas e comentarista esportivo, bela voz e grande versatilidade.
Durante a II Guerra Mundial, serviu no 34º BC e recebeu a espada de Oficial da Reserva do Exército (CPOR). Em janeiro de 1954, casado com Laura da Cunha Simões e com três filhos, voltou para Santarém, a fim de assumir a gerência da Caixa Econômica Federal, onde desempenhou atividades importantes até aposentar-se.
Naquele tempo, Santarém sofria os atrasos de cidade do interior. A Rádio Clube de Santarém fora do ar em razão da morte de seu fundador Jonathas Almeida e Silva. Com sua preciosa experiência radiofônica, aceitou o desafio e conseguiu ajuda do amigo Adalberto Gentil e outros abnegados que colocaram a estação no ar, para deleite dos santarenos.
Era um entusiasta dos esportes, a ponto de custear a instalação da luz elétrica no Estádio de Futebol dos Franciscanos, proporcionando jogos noturnos, para satisfação dos aficionados do Futebol. Era azulino: seus clubes prediletos eram o São Francisco, em Santarém, e o Clube do Remo, em Belém. Foi sócio permanente do Asilo São Vicente de Paula, do Clube Recreativo e sócio fundador do Lions Club de Santarém.
Osmar possuía senso de justiça e coração magnânimo, revelando-se em episódios marcantes, como a solidariedade eficaz aos imigrantes nordestinos, que chegaram a Santarém, na década de 50, expulsos por implacável seca. Centenas vieram e se alojaram logo embaixo do trapiche municipal. Desespero, fome, miséria e alguma esperança, era o clima reinante entre eles. Chocado, tomou a iniciativa de sair às ruas pedindo o auxílio da população para os irmãos flagelados. Clamava pelo alto-falante e as ofertas iam surgindo: lençóis, redes, alimentos e roupas amenizaram a situação. Quem muito lucrou com a permanência dos emigrantes nordestinos foi Santarém, eis que pagaram com o trabalho honesto a acolhida fraterna que receberam.
Quando houve o roubo da imagem da Padroeira Nossa Senhora da Salvação, na comunidade de São Luiz do Guajará, Osmar, solidário, providenciou junto a talentoso artista sacro o entalhe de peça idêntica à primitiva, que lá chegou em caravana fluvial, sendo recebida com fogos e alegria pelos moradores devotos.
Osmar tinha arma poderosa a seu favor: o microfone! Com ele usava seu talento e destemor a serviço da comunidade. Seu programa de maior audiência era 'A Tribuna Popular', também o 'O Assunto é Este' e neles requisitava das autoridades serviços urgentes de segurança, limpeza de ruas, iluminação pública etc., tudo o que beneficiasse e tranqüilizasse a população.
Era homem de fé, amigo dos padres, do bispo, das religiosas, aos quais emprestava seus dons de radialista, gratuitamente, na divulgação das obras e efemérides da Igreja. Fez vários programas e recitais no Cristo Rei, no Centro Recreativo, no Cinema Olympia, apresentou o I Festival de Canções Santarenas, sempre lembrado pelo seu talento versátil, seu porte elegante e fluência verbal privilegiada.
Foi um dos fundadores da Rádio Rural de Santarém. Acompanhou a obra desde os alicerces até a inauguração, sendo diretor artístico, por muitos anos. Dirigia o departamento esportivo da Rádio Rural e seu programa de esportes era escuta obrigatória.
Alternava seus comentários com os de seus jovens pupilos, formando, com sua didática e exemplo, uma equipe de talentos fantásticos na qual despontaram Guarany Júnior, Herbert Tadeu Mattos, Santino Soares, Cláudio Serique, Oti Santos, Ércio Bemerguy, todos santarenos que hoje brilham no jornalismo, radiofonia e desportos da Capital.
Vibrava com tudo o que significasse progresso para Santarém. Visitava a construção da Hidrelétrica de Curuá-Una e as obras da abertura da Rodovia Santarém-Cuiabá. Fotos de mateiros, picadas abertas na selva, operários e tratores, tudo divulgado. Vinha esperançoso e, muitas vezes, doente.
Osmar Simões, o ardoroso mocorongo, faleceu no dia 4 de julho de 1986, uma sexta-feira. Morte súbita, dolorosa para seus familiares, amigos e para a comunidade mocoronga que lamentou essa perda pelo reconhecido valor que sua vida representava na Cultura e na Radiofonia da Pérola do Tapajós.
Paz a sua alma!
Nosso silêncio, nossa saudade!
Laura Simões

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Laura Simões traçou de seu saudoso marido perfil dos mais verdadeiros. Aliás, dona Laura é uma artista que, com discrição proporcional ao seu talento, hibernou tanto para os círculos íntimos que sua arte é conhecida apenas de familiares e amigos mais chegados. Mas dá gosto ver seus quadros, como dá gosto ler as descrições que eventualmente faz de pessoas e daquela Belém de antigamente – das décadas de 40 para frente -, que se mantém viva em memórias privilegiadas como a dela.
Não é só a família Simões que tem seu Osmar vivíssimo em seus corações e em suas lembranças. Seus muitos amigos também. Os quarentões santarenos lembram-se dele como de alguém que, além da figura pública de radialista, fazia-se notar com uma personalidade que marcava presença onde quer que se encontrasse.
Osmar Simões era uma piadista de primeira. E não dispensava, claro, seus ancestrais patrícios português. Cinco minutos perto dele já eram suficientes para produzir boas gargalhadas. Era realmente, com destaca dona Laura, um apaixonado azulino – tanto pelo Remo como pelo São Francisco, o Leão mocorongo. Toda Santarém sabia disso, porque era ostensiva sua paixão. Mas toda a cidade também reconhecia a imparcialidade com que comentava as partidas de seu clube.
Osmar era tão fanático que freqüentemente - sobretudo em semanas de clássico, quando o São Francisco jogava contra o São Raimundo -, tão logo se encerrava o expediente na Caixa Econômica, na Travessa 15 de Novembro, ele partia para acompanhar o treino do São Francisco, num campo de chão batido que havia ali pelos lados de onde se situa o Iate Clube de Santarém. E se fazia acompanhar, nessas ocasiões, de torcedor que àquela altura tinha seus 10, 12 anos de idade e também nutria pelo São Francisco uma paixão tão intensa que chegava a tomar Passiflorine e água com açúcar nos dias de Rai x Fran, para aplacar-lhe as tensões. Quem muitas vezes insistiam em continuar.
Além dos vários programas que dona Laura mencionou, Osmar Simões também apresentou durante muito tempo um dos programas de maior audiência em Santarém, “O Poemas e Canções”, em dupla com o professor e poeta Emir Bemerguy. O programa era transmitido aos domingos à noite, pela então Rádio Educadora – hoje Rádio Rural -, quando a emissora ainda se situada no bairro do Carananzal.
Também foi o comandante do programa “Tribuna Popular”, no qual discorria sobre fatos variados, num português corretíssimo, que nem os improvisos eram capazes de macular. O “Ponto de Vista”, comentário que Osmar Simões fazia no programa de Esporte da Rádio Rural, no início das tardes, também atraía audiência incomparável, numa época em o rádio reinava absoluto, eis que a televisão ainda não havia chegado a Santarém.
Osmar Simões está vivíssimo. Para alegria de quantos jamais se esquecerão dele com muita saudade.

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Nota da redação:

Paulo Bemerguy, editor de Espaço Aberto, é o torcedor que àquela altura tinha seus 10, 12 anos de idade e também nutria pelo São Francisco uma paixão tão intensa que chegava a tomar Passiflorine e água com açúcar nos dias de Rai x Fran, para aplacar-lhe as tensões.

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