Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
Belém- Fui de uma das últimas turmas do Colégio Estadual Paes de Carvalho beneficiadas por uma de suas maiores qualidades: reunir representantes da elite e pessoas do povo. Como seu ensino ainda era de qualidade, as “melhores famílias” mandavam seus filhos para o CEPC. Esse fluxo circular era fundamental: o colégio só era procurado por ser bom e sua qualidade era investimento de retorno ao governo, que o mantinha, porque rendia dividendos entre a elite.
O ingresso sofria a influência de pistolões, que acobertavam os bem-nascidos, mas as portas do “Paes de Carvalho” também se abriam a gente simples, sem “posses” ou padrinhos. A convivência entre pessoas de tão diferentes origens, formações e mentalidades, colocadas em competição ou cooperação, era a melhor contribuição da escola pública à qualificação individual dos seus freqüentadores e ao bem comum (impossível de se repetir em locais homogêneos ou discriminatórios, como as escolas particulares mais procuradas atualmente). Mesmo sujeita a distorções, essa relação iria depurar qualidades, caracteres e personalidades. Seria fecunda. Até que a qualidade desapareceu e tudo desmoronou. É o estado atual da arte.
A passagem pelo CEPC se tornou marcante porque nenhuma de suas turmas deixou de se destacar na vida pública ou na atividade privada. Acompanhar a trajetória que seguiram depois dos bancos escolares é um excelente exercício de análise sobre a dinâmica social. Há material para a reconstituição de famílias, o delineamento de carreiras individuais e a hierarquização de valores na vida em sociedade. Cada turma conteve em si uma amostragem significativa da sociedade paraense. Ao seguirem seus rumos, os seus integrantes continuaram a desenvolver as suas aptidões naturais e o bem que lhes foi acrescido pela rica convivência entre diversos e contrários: o respeito às diferenças.
Outro dia partilhei, à distância, o sucesso de um dos colegas de turma do CEPC. Edison Rodrigues recebeu um título de reconhecimento por sua atuação no comércio varejista de materiais de construção. Ele foi um dos principais edificadores da poderosa Oplima e depois saiu da corporação familiar para sua carreira solo por opção. A tarefa que se impôs era dura, mas em pouco tempo, colocou a nova empresa no topo do setor.
Vejo-o numa foto, feliz, ao lado da bela família, e me lembro particularmente dos aperreios que passou para ser aprovado numa prova de francês da exigente professora Fernanda, um dos muitos episódios da nossa vida escolar naquele velho e saudoso casarão da praça da Bandeira. Ali, o filhinho de família rica já se preparava para enfrentar e resolver problemas sem necessariamente precisar recorrer a títulos nobiliárquicos, mesmo os de província. O CEPC preparava cidadãos para o mundo. Podia voltar a realizar essa missão.
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