João Wainer
O nome verdadeiro é Maria Aparecida da Silva, mas na Central do Brasil é conhecida por Márcia. Aos 42, trabalha como faxineira de manhã em uma firma e prostituta a tarde, em frente a estação de trem mais movimentada do Rio de Janeiro.
Era gostosa, mas depois de tantos anos trabalhando como puta já não é mais. Assim mesmo ainda tem seus clientes fiéis, que não dispensam uma foda “completa” por R$35,00 depois de um dia de trabalho pesado. Como não é mais jovem, quem chegar com R$ 15,00 leva. São pedreiros, pintores, taxistas, eletricistas, porteiros. Usam o corpo de Márcia pra aliviar as tensões do cotidiano embaçado que gente pobre tem.
Cida mora em Itaguaí, zona norte do Rio, a 70 km do seu local de trabalho. De busão são quase duas horas. A casa é simples, quarto e sala sem acabamento, tijolo baiano a vista, chão de terra e cimento, móveis improvisados, cortinas ao invés de portas e um retrato de Jesus na parede. Um pedaço de bombril na antena ajuda a diminuir o chiado do capitulo de Malhação que as crianças assistem na televisão pequena sobre o armário.
Como toda casa pobre, falta tudo mas sobra dignidade. Café, bolacha de maizena e Dolly sobre a mesa pra receber os convidados. Mora ali com seus filhos, André, 18, Camila, 22, seus netos Wesley,5, Ketheleen,3, a mãe alcoólatra Idalina e a filha adotiva deficiente mental Verinha. Cida sustenta a casa sozinha.
Não fosse o dinheiro dos programas, provavelmente o filho estaria no crime, a filha na prostituição, a mãe alcoólatra pela rua gritando absurdos abraçada a uma garrafa de pinga e só Deus sabe onde estariam os netos e a filha adotiva deficiente mental.
Puta é o caralho, Cida é uma guerreira. Foi para o sacrifício e manteve na unha vermelha a família unida. Foi capaz de perder sua dignidade pra preservar a dos seus. Quem seria capaz disso? Você seria?
Ao conhecer essa mulher, tive a certeza absoluta de que as mulheres são superiores aos homens. Pensei nos defensores da moral e bons costumes dos programas vespertinos de TV, nos hipócritas que bradam absurdos nos palanques, no horário eleitoral gratuito, no Datena, no Faustão, nas rádios populares. Sinto o gosto de vômito na garganta.
Quem é mais puta? Quem é mais desonesto? Quem é o verdadeiro filho da puta?
Com olhar forte e digno, Cida tem a cabeça erguida e a hombridade de quem sabe que cumpre o seu dever com rara honestidade.
Quem hoje em dia pode dormir tranqüilo assim?
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