Bellini Tavares de Lima
Advogado
Marceneiro, advogado, médico, motorista de ônibus, vendedor de seguros? Não importa. Vamos imaginar que você venda seguros para automóveis. Aí um cliente qualquer procura por você, interessado em fazer o seguro do carro que acabou de comprar e não quer sair por aí dirigindo sem a necessária proteção contra os ladrões, os malucos a solta e tantos outros perigos. Você, então, recebe o pedido, define os riscos que estarão cobertos, faz os cálculos do valor do prêmio (esse nome deve ter sido inventado pela seguradora porque, para o segurado, está mais para castigo) e, finalmente, retorna ao cliente para concluir o negócio. E isso tudo leva....oito meses. Ah, você achou um absurdo? Tem certeza? Vamos mudar a profissão. Agora você é um competente advogado. No seu escritório, uma cliente um tanto agitada, relata que o ex-marido simplesmente não paga a pensão alimentícia há cerca de três meses. Você anota os dados com muito cuidado, pede mais informações, ajusta detalhes, tudo com o propósito de examinar a matéria, avaliar a melhor forma de agir contra o sacripanta, calcular os custos que a cliente vai ter que pagar, aí incluídos os seus honorários, é claro. E isso tudo leva...6 meses.
Como? Incogitável, ilustre causídico? Nem tanto, nem tanto. Agora mesmo, dia 13 de maio, a Globo News noticiou, pela internet, mais uma crise no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, o chamado "Hospital do Fundão" que pertence à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Alguns tópicos, extraídos da matéria: "os transplantes de órgãos estão suspensos. O principal motivo, segundo a direção, é a falta de repasses e uma dívida, que chega a R$ 10 milhões." Mais: "Falta material cirúrgico, para exames, para Raios X. A carência é total".
De acordo com a noticia, um dos motivos da crise é o atraso no repasse das verbas do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Prefeitura do Rio de Janeiro. E a Secretaria Municipal de Saúde informa que o "processo de renovação do contrato está em andamento há quatro meses, e que está aberta a negociar com a direção do hospital."
Ora, aí está. O processo de renovação do contrato está em andamento há quatro meses. Trata-se de um hospital, há uma porção de gente que não está sendo atendida no quesito SAUDE e o contrato está sendo discutido há quatro meses. Porque diabos, então, os oito meses do meu corretor de seguros causou tanto espanto?
Ontem, dia 15 de maio, os jornais estamparam em suas páginas e a TV até aumento o som para informar que o Congresso Nacional havia aprovado uma série de reformas na legislação penal com o propósito de corrigir distorções e aumentar o rigor na aplicação da lei contra o crime. Agora, só falta a sanção do presidente da república.
Em linhas gerais, as medidas vão reduzir o tempo consumido no julgamento de crimes que vão ao Tribunal do Júri, os chamados crimes contra a vida (só esses crimes vão ao Tribunal do Júri). Mas, não é só. Essas medidas também determinaram que entrar com telefone celular na prisão virou crime. E o chamado seqüestro-relâmpago também ganhou a natureza de crime com penalidade especificamente prevista em lei. O crime de estupro, que só valia contra mulher, passa a valer contra homem, também. E não é preciso que o ato sexual seja o convencional. Variações como o chamado sexo oral ou o sexo anal também são considerados como estupro. E há mais.
O que o Congresso Nacional fez, neste mês de maio de 2008, foi concluir a aprovação de um projeto de lei. Trata-se do Projeto de Lei no. 4.203 que foi apresentado em...2001. Não, não é erro de digitação. É 2001, mesmo, ou seja, há 7 anos. E porque o nobre causídico ficou tão indignado com os meus 6 meses para acertar as contas contra a ex-esposa que não recebe a pensão alimentícia? Por muito menos um sujeito é capaz de esbravejar com o caixa do banco ou com o garçom que atrasa seu pedido no restaurante.
Já um contrato para financiamento de um hospital, uma da poucas verdadeiras obrigações do Estado, já está a quatro meses sendo discutido e, enquanto isso, o hospital interrompe suas atividades. E a gente reclama porque o jogo não começou na hora.
O crime, organizado ou ao, vai tomando conta da sociedade, subjugando o cidadão comum, o bandido vai-se instalando confortavelmente na sala da nossa casa e o Congresso Nacional precisa de 7 anos para aprovar umas poucas mudanças na legislação penal. E a gente fica brava porque o nosso bife levou 10 minutos para chegar.
Bem, se me dão licença, vou dar uma olhadinha na TV para ver qual vai ser a versão de hoje para a história do "dossiê" dos gastos público, se a ministra - guerrilheira vai dar mais uma choradinha no plenário. E espero que não atrase, senão...
16 de maio de 2008
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