domingo, 8 de junho de 2008

Boa intenção não falta, mas a Amazônia diminui

Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós

Em março, quando ainda era ministra do meio ambiente, a acreana Marina Silva assinou uma portaria recomendando ao Conselho Monetário Nacional a suspensão, a partir de 1º de julho, do crédito agrícola oficial em 527 municípios localizados no bioma Amazônia e na faixa de transição do Centro-Oeste para a região. A medida provocou grande reação dos proprietários rurais, que usaram o governador Blairo Maggi como porta-voz, já que Mato Grosso seria o Estado mais atingido pela restrição. Maggi, que também é um dos maiores produtores de soja do mundo, não se fez de rogado: girou sua metralhadora verbal sobre a ministra, que cairia menos de dois meses depois.
Na semana passada, quase 20% dos municípios da lista original de Marina foram dela excluídos, por ato assinado pelo presidente Lula e endossado pelo novo ministro do meio ambiente, o carioca Carlos Minc. Ao contrário dos demais, que serão punidos com a privação de crédito público (o mais barato e de mais longo prazo), por terem desmatado além do limite legal, 100 municípios localizados na área de transição da vegetação aberta para a mata densa amazônica receberão recursos do tesouro nacional para recompor as suas reservas legais (ocupando 80% da área do imóvel rural) e assim poderem se habilitar novamente ao crédito agrícola.
A verba reservada a essa operação é, aparentemente, significativa: um bilhão de reais. Mas dá, em média, R$ 10 milhões por município. É quase inexpressiva, se comparada aos valores embutidos no PAC (o Programa de Aceleração do Crescimento, a versão petista – quase sem novidade – dos “projetos de impacto” do regime militar e do “Avança Brasil” de FHC). Só o Pará receberá do PAC (se efetivamente receber) R$ 6 bilhões por ano durante três anos, até 2010.
Ainda assim, seria uma iniciativa complementar e corretiva à portaria de março da já novamente senadora Marina Silva. Ela apenas punia. O MMA pragmático (apesar de tonitruar em falsete) de Minc é mais positivo: ele oferece os meios para que as propriedades que se tornaram ilegais pelo excesso de desmatamento possam corrigir o mal que causaram à natureza e ao país.
É um esforço inédito, ao qual se juntará, cada vez mais, a boa-vontade internacional. Com o mesmo objetivo, de manter a floresta amazônica em pé, depois de extirpada ou substituída em 17% do seu território pela ação dos pioneiros, o governo da Noruega se comprometeu a aplicar 500 milhões de dólares durante o próximo qüinqüênio. A Dinamarca pretende fazer o mesmo e já reservou 100 milhões de euros para o programa de Áreas Protegidas da Amazônia, o Arpa, “o maior programa de conservação de florestas tropicais do mundo”, que Lula herdou de Fernando Henrique Cardoso.
Seria muito bom se pudesse ser de verdade. Se o dinheiro vier – e na escala prevista, de dimensão amazônica – haverá como controlar a sua aplicação, impedindo que desvie por desvãos especulativos ou simplesmente inócuos? O governo brasileiro tem sido pródigo com uma das mãos, a que sustenta a frente produtiva, e escasso com a outra, a que procura ajustar a atividade econômica às regras do bom uso dos recursos naturais, englobadas pelo embrulho do desenvolvimento sustentável. Acaba por criar, com essas distintas ponderações, um desequilíbrio estrutural, que procura corrigir nos efeitos, raramente atacando suas causas.
Novos tipos de negócios, engendrados pela preocupação com a saúde física do planeta, atacada pela ação transformadora do homem, já estão em curso. Como sempre, a iniciativa privada se antecipa ao governo e, assim, o manipula. A corrida às terras amazônicas foi aquecida e as áreas com cobertura vegetal nativa começam a ter outro atrativo para os investidores. O efeito dessas correntes pode ser o incremento da grilagem de terras e o uso especulativo de projetos com aparência de seriedade e cientificidade.
O governo, retardado no compasso dessa dinâmica, tenta, mais uma vez, recuperar o tempo e as ações perdidas. O ministro Carlos Minc prometeu concluir o zoneamento ecológico-econômico, que é a régua e o compasso para o novo desenho territorial, até o próximo ano. Há 15 anos essa ladainha é entoada. O atraso já comprometeu parte do seu potencial: o que havia para organizar, agora deve ser corrigido – se tal é possível.
O descompasso entre os que querem corrigir e os que pretendem manter o mesmo tipo de procedimento na Amazônia constitui a razão do baixo significado de iniciativas positivas, como as que foram anunciadas em Belém. O governador Blairo Maggi, o grande vitorioso no abrandamento das punições e na ampliação dos benefícios aos produtores rurais desmatadores, garante que dois terços dos municípios do seu Estado fazem parte do Centro-Oeste e não da Amazônia, devendo ser reenquadrados pelas políticas públicas.
Se há certo fundamento geográfico no argumento do dono do grupo Maggi, ele se torna insatisfatório na esgrima verbal do vizinho Estado de Rondônia, que também reivindica essa desclassificação, principalmente para se livrar do limite de 80% de reserva imposto pela legislação aos imóveis situados em áreas de floresta amazônica. Com boa ou má intenção, a adaptação da ação pública a essa realidade, se tem o efeito saudável de possibilitar sua atenuação, considerando-se que o leite já está derramado, lança uma fumaça sobre o futuro da Amazônia, tão densa e nefasta quanto a que ocupará os céus da região pelos próximos meses.
A temporada anual de queimadas e desmatamentos, mais ou menos agressiva, tem sido a garantia de um fato constante, independentemente de quem esteja sentado no trono de Brasília: a Amazônia está cada vez menor. E mais pobre.

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