Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
O juiz substituto da 5ª vara federal do Pará, Antônio Carlos Almeida Campelo, decidiu suspender por quatro meses a instrução da ação civil pública que tenta anular a titulação feita pelo Iterpa numa área de 127 mil hectares, que o instituto alienou a particulares em Portel, 30 anos atrás, e cobra indenização em nome dos moradores tradicionais da região. A ação, patrocinada pelo advogado Ismael Moraes em nome da prefeitura de Portel, de uma associação e do sindicato dos trabalhadores rurais, foi avaliada pelo seu autor em 200 milhões de reais.
A suspensão por 120 dias foi decidida pelo juiz "em face da notícia de realização de diagnóstico da situação fática a ser efetuada pelo Município de Portel com as empresas ABC e Cikel", beneficiadas pela venda das terras. O juiz decidiu abrir o prazo "a fim de possibilitar a juntada de relatório desses trabalhos aos autos". Esgotado esse tempo, "com ou sem juntada de diagnósticos", decidirá sobre os autos.
A decisão de Antônio Campelo causou surpresa. Não é comum que um juiz decida baseado em notícias, que sequer constam dos autos do processo. O responsável pela 5ª vara federal nem especificou de que notícia se trata e quem a divulgou. Nada lhe foi dito pelas partes na audiência marcada para o dia 29 de abril, a primeira da instrução processual, mas que não se realizou porque faltou energia no prédio da justiça federal na ocasião, Mesmo assim, o juiz mandou tomar por termo a "reunião informal" que decidiu assim mesmo realizar, mas sem a assinatura das partes que a ela compareceram, só a do próprio magistrado. Representantes de Portel, da Cikel e da ABC Agropecuária Brasil Norte e do Iterpa estiveram presentes ao encontro, mas nenhuma referência fizeram ao tal diagnóstico.
No seu despacho, o juiz Campelo admite que o hipotético "diagnóstico da situação fática" ainda está por ser efetuado. Quem garante que será iniciado e concluído em quatro meses, se é que algumas das partes o têm em seus planos? A única citação a respeito de um possível levantamento das ocupações na área apareceu em reportagem escrita pelo jornalista Carlos Mendes e publicada em O Liberal, atribuindo ao Iterpa o interesse por tal iniciativa. Mas nada de concreto houve. E a matéria também não foi juntada aos autos.
O juiz Campelo decidiu pela suspensão do processo antes mesmo de tomar conhecimento das contestações apresentadas pelo Iterpa e o Ministério Público Federal, assim como da ABC Agropecuária, juntada na "reunião informal" de 29 de abril. Os oponentes da ação civil pública argumentam que ela é inepta, porque seus objetivos não são compatíveis com esse tipo de procedimento, e que já está prescrita, três décadas depois de feita a venda das terras e efetuado o seu registro imobiliário, e que a antecipação de tutela é totalmente descabida, por ser tão ampla, praticamente equivalendo a um pré-julgamento. Teria que ser requerida em procedimento ordinário próprio.
Se examinasse o conteúdo das contestações antes de determinar a suspensão da instrução, talvez o juiz pudesse deixar a apresentação de novas provas (e ainda mais sendo provas a serem produzidas) para a fase devida da instrução: o exame de mérito. Ou, quem sabe, chegar logo a uma conclusão quanto à natureza da empreitada que há por trás da defesa de alegados direitos coletivos difusos da população tradicional de Portel. Em longas matérias publicadas em edições anteriores, este jornal já disse qual é a sua conclusão: uma manipulação dos direitos e expectativas desses cidadãos. Em proveito dos que a promovem.
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