terça-feira, 10 de junho de 2008

O POETA NÃO PODE ENXERGAR. E NEM DEVE

Bellini Tavares de Lima Neto

A última página do caderno CIDADES/METRÓPOLE do jornal “O Estado de São Paulo” publica diariamente a coluna de Tutty Vasques. O título é “TUTTY HUMOR” e o conteúdo faz justiça ao nome. Humor bem elaborado, como quase sempre vai buscar sua matéria prima no cotidiano. Ó mundo político é colaborador profícuo do humorista que, se for um sujeito justo, deveria, ao final do ano, brindar Suas Excelências com cartões de Natal, brindes e tudo aquilo que já se tornou tradicional no festejo da chamada “data máxima da cristandade”.
Mas, nem só de política vivem os humoristas. O cidadão brasileiro, o individuo que aqui habita e vive o seu cotidiano, esse talvez seja imbatível. Na edição do dia 05 de junho de 2008, Tutty Vasques inseriu em sua coluna uma notinha quase imperceptível com o teor seguinte: “FAÇAM SUAS APOSTAS – Corre no Rio um bolão diferente. Leva toda a grana quem acertar quantos dias os novos óculos de Carlos Drummond de Andrade vão durar na estátua do poeta em Copacabana”. Só isso.
Como se tem observado pelo noticiário, a prefeitura do Rio de Janeiro tem tido que re-colocar os óculos na estátua do poeta, pois, sistematicamente, são furtados. Em outras palavras, a prefeitura coloca os óculos no poeta e alguém os furta. Qual será o custo desses óculos? Quanto custa para a prefeitura fazer essa reposição quase que semanal? Não faço a menor idéia. Não deve ser nenhuma quantia muito significativa. Afinal, nem é óculos bi-focal ou de grau, não é mesmo? Mas, convenhamos, isso parece não ter a menor importância.
Meus compatriotas, o preço dos óculos do poeta não vem ao caso. O que vem ao caso é o preço da nossa vergonha na cara que, com toda franqueza e profunda tristeza, não deve estar valendo nada. E sabem por quê? Por que nós perdemos a vergonha na cara. E o que não existe não pode ter preço, não pode custar nada. Ou, melhor dizendo, no caso em particular, a fala do produto nos custa muito.
Vamos deixar a hipocrisia de lado e tentar examinar, individualmente, quem é que pode atirar pedras contra a corrupção no governo? Há uns poucos dias se falava sobre uma CPI dos Cartões Corporativos que, como todos sabem, terminou de maneira vergonhosa. O uso ilícito dos cartões foi considerado uma falha, um equívoco, parecido com o do sujeito que enviou ao outro um e-mail com uma planilha de dados, mas não sabe como fez isso. Este capítulo está encerrado e, mal saiu de cena, já apareceu outro: a palhaçada envolvendo a venda da VARIG. As acusações aparecem muito tempo depois dos fatos e a principal acusada nem precisou tirar da gaveta o roteiro das explicações porque são sempre as mesmas: tudo é falso, nada se sabe, nada se fez. Como a listinha ainda estava sobre a mesa porque foi usada semana passada, nem foi preciso revirar as gavetas.
E estamos às voltas com um outro escândalo envolvendo a emissão de carteiras nacionais de habilitação. A imprensa noticia o fato como se fosse alguma grande novidade. Corrupção em órgãos de trânsito é plágio.
O escritor João Ubaldo Ribeiro escreveu, certa vez, em sua coluna de domingo no O ESTADO DE SÃO PAULO que, da forma como se falava da classe política, dava a impressão que era um grupo de extraterrestres, seres vindo de outras galáxias. Meus caros compatriotas, essa sujeirada a que assistimos diariamente, temperada com um cinismo sem limites, não é mais que a nossa própria cara. É o povo brasileiro, tido como tão puro, naturalmente bom, bem intencionado, é esse povo, formado por castas das mais variadas, que mantém e sustenta a sujeira. E faz isso da forma mais eficiente possível: praticando, no seu cotidiano, exatamente a mesma sujeira, agindo com o mesmo despudor, achando-se positivamente diferenciado, mais inteligente, mais esperto, mais divertido que qualquer outro povo do mundo. Sabe como? Furtando os óculos do poeta que permanece imóvel no banco de uma praça em Copacabana. Que coisa pequena, hein? Menor que o valor dos óculos. Nós estamos perdendo o nosso tamanho a cada dia. Logo, logo, seremos os pigmeus morais do planeta.

São Paulo, 09 de junho de 2008

Nenhum comentário: