terça-feira, 24 de junho de 2008

O tempo de Santarém

Lúcio Flávio Pinto
Articulista de O Estado do Tapajós


Tinha certo gosto de brincadeira, para quem viajava entre Belém e Santarém, a diferença de uma hora entre as duas cidades: chegava-se à “pérola do Tapajós” praticamente na mesma hora em que se deixara a “metrópole da Amazônia”. Era como se o tempo gasto no percurso não tivesse existido e as duas cidades, separadas por 800 quilômetros, fossem contíguas, siamesas. Talvez lá no inconsciente, sobretudo dos “mocorongos”, fosse a melhor maneira de não perceber a diferença. Santarém não reconhecia a supremacia de Belém porque, no fundo, se sentia tão capital, não de um Estado real, mas da nova unidade federativa que um dia iria se materializar, como um rei Sebastião redivivo, legenda ao gosto de uma cidade com fundas tradições portuguesas.
Agora que a diferença de fuso horário desapareceu, qual o seu efeito no inconsciente coletivo de uma cidade que comemora seus 347 anos com a nova realidade temporal? Sente-se mais distante da capital do Estado ao qual ainda pertence, por isso, tendo que estar hierarquicamente subordinada a Belém? Vê mais distante o sonho de comandar um novo Estado brasileiro, ideal que tem suas raízes mais remotas num ponto cada vez mais distante na história, meio século e meio atrás, e que parecia avivado para se tornar realidade nestes dias? E mesmo que o Estado do Tapajós acabe por se materializar, Santarém ainda estará em condições de pleno domínio sobre esse espaço, como a inquestionável capital cogitada no passado?
Talvez se possa dizer que a cidade fez fama nessa condição e se deitou na cama da acomodação. A universidade federal em gestação atende por uma sigla esquisita, associável aos objetos não-identificados (UFOP), porque Tapajós foi sacrificado à denominação de Oeste do Pará. A configuração antiga sofreu muitas modificações que independeram de Santarém, sobretudo as novas riquezas minerais, que deslocaram inicialmente o eixo para a margem esquerda do rio Amazonas (através da bauxita de Oriximiná) e agora exercem o mesmo efeito sobre Juruti (e, no futuro, sobre Monte Alegre).
Santarém sofreu sensível deslocamento de influência nesse processo. Não só na área delineada para o ex-quase-futuro Estado: no próprio território paraense. De um incontestável segundo lugar, logo abaixo de Belém, a “pérola do Tapajós” caiu para abaixo da 5ª posição, por qualquer critério de avaliação que se adote, da receita tributária ao índice de desenvolvimento humano. Isto significa que o município deixou de comandar a própria história, seguindo na onda que vem de fora, em várias direções. Qualquer que seja o rumo, é preciso que retome as rédeas da decisão, que só poderá ser positiva se Santarém tiver conhecimento dos fatores em ação na sua história contemporânea. Seu traço mais marcante é o externo, trazido pela migração de pessoas e de atividades. Todos são bem-vindos, desde que sigam o compasso do interesse daqueles que estiveram na terra antes e nela deverão permanecer. Não como espectadores do espetáculo, mas como seus protagonistas. É o presente que se pode desejar para Santarém, mas esse é um presente que cabe ao conviva dar a si mesmo, ao invés de ficar esperando na janela, como a Carolina, personagem da música de Chico Buarque de Holanda. Desatenta, Carolina acabou sendo a única que não viu o tempo passar.

Nenhum comentário: