quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Não tem sobremesa por uma semana

Bellini Tavares de Lima Neto
Advogado

Um velho amigo me contou um episodio vivido entre ele e sua filha quando a moça chegou à casa dos seus 30 anos. Jornalista, inteligente, muito bem formada, nem por isso deixou inteiramente de lado a natureza meio infantil que todos nós carregamos conosco a vida inteira. O amigo me contou, então, que num momento de reflexões e revelações pessoais entre os dois, a moça saiu-se com esta: “Pai, às vezes eu fico pensando em como você mudou. É impressionante. Quando eu tinha 15 anos, você era uma pessoa difícil, intransigente, inflexível. Como era difícil conviver com você. Hoje, não. Hoje você é compreensivo, razoável. Agora, sim, a gente consegue se entender e se dar muito bem. Olha, como você melhorou, pai”.
Pois é. Mas o fato é que, tirando crianças imaginárias, como o garotinho da propaganda que berra dentro do supermercado porque quer que a mãe lhe compre uma chicória, ninguém, tanto na infância como na adolescência, é capaz de entender de disciplina, de seriedade, de coerência de comportamentos. Também não se consegue muito bem observar regras e padrões éticos ou morais. Essa é a fase da irresponsabilidade, da irreverência, do descaso, da rebeldia. Tudo o que se quer, nesse período, é contestar, contrariar, desafiar, andar pelos atalhos. E, como esse é o tempo de ser assim, contamos com uma cera dose de compreensão por parte dos mais velhos, o que não impede os conflitos e as conseqüências que sofremos por conta disso.
Uma das conseqüências de nossa atitude inconseqüente é que, volta e meia, levamos uma bronca dos adultos, tomamos um pito e somos lembrados que, já que ainda não somos capazes de nos comportar como gente grande, temos que ser tratados como crianças. Não conheço criança ou adolescente que compreenda isso. Na época, a vontade que se tem é de exterminar por completo essa raça insuportável a que se dá o nome de gente adulta. Como, no entanto, tudo é só uma fase, os adultos acabam, em sua grande maioria, escapando da fúria dos jovens e, quando muito, tomam pela cara aqueles adjetivos que, embora variem de geração para geração, tem exatamente o mesmo conteúdo.
Complicado, mesmo, é quando se resolve prolongar indefinidamente a fase da infância e adolescência. Aí as coisas podem se complicar e muito. Sim, porque, se o cidadão insiste em se manter criança ou adolescente pela vida toda e se comportar com aquela mesma irreverência, inconseqüência, desrespeito e imaturidade, corre o risco de passar a vida inteira recebendo aquele mesmo tratamento que os adultos dispensam às crianças. Pois, na semana que passou tivemos o desprazer de ver, mais uma vez, alguém nos tratar como verdadeiras crianças peraltas e incontroladas. Pois é, esses nada simpáticos ingleses vieram puxar nossas orelhas e nos ameaçar com castigos caso não paremos com nossas peraltices lá pelos quintais deles. É que insistimos em querer pular no quintal deles sem permissão nem regras. Aí, eles vêm nos passar um pito, uma descompostura e nos colocar de castigo.
O governo inglês está em vias de voltar a exigir visto de entrada para brasileiros e isso porque a quantidade de patrícios que acham bonito ir viver por lá sem autorização não pára de crescer. Para não impor o visto de entrada, sugerem colocar fiscais ingleses nos aeroportos brasileiros para “treinar” as autoridades e as empresas de turismo. Nessa hora, o brio nacionalista se sente ultrajado e a reação é imediata. E furiosa. Os pais da pátria se põem em guarda para defender a honra nacional. Nós continuamos a os comportar mal tanto aqui dentro quando no exterior. Não damos a menos importância para o respeito às regras, nos julgamos mais espertos que os demais porque “aliviamos” pequenos lembrancinhas em hotéis e restaurantes, burlamos a vigilância e permanecemos de forma irregular na casa dos outros. Tal como achamos que podemos dirigir depois de beber ou ultrapassar pelo acostamento ou dar uma propina ao guarda ou votar em político desonesto desde que ele “alivie” o nosso lado.
E, quando o nosso comportamento juvenil, marginal de pequenas proporções, típico do adolescente que se sente dispensado de qualquer seriedade, é apanhado por um adulto, lá vem o pito, o castigo, a descompostura. Pois eu confesso que ando cansado disso. Ando realmente farto desse tipo de situação que volta e meia se repete. Ando cheio de tomar bronca e ser ameaçado de ser colocado de castigo. Não vejo a hora que essa gente adulta que vive nos aborrecendo se torne mais flexível, mais maleável. Assim como fez o meu amigo quando sua filha chegou aos 30 anos. Será que demora muito?

17 de agosto de 2008

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