Bellini Tavares de Lima
Advogado
Andava difícil de alguma coisa na mídia tirar o primeiro lugar dos sucessivos e quase semanais escândalos protagonizados pelo governo federal. Nem mesmo a seleção brasileira de futebol que, convenhamos, não anda merecendo o aumentativo, vinha conseguindo superar os níveis de audiência dos chamados homens públicos, tomada, aqui, a palavra no seu sentido amplo, sem qualquer discriminação às solertes representantes do sexo feminino. Aliás, a exemplo de muitos outros campos da atividade humana, também em matéria de carência daquele antigo vermelhão na cara, nossas moçoilas andam se destacando e ameaçando a hegemonia masculina.
Pois nos últimos dias apareceu um outro tema que nos deu alguma trégua da cantilena do "nunca antes neste país" ou das teorias conspiratórias das elites contra o maior e melhor governo de todos os tempos. Foi a "lei seca". Algum desavisado até poderia pensar que ressuscitamos Al Capone e a Chicago dos anos 30. Nem pensar. O velho Al ia se sentir um professorzinho de catecismo no meio da matula de profissionais que se instalou no Brasil. Nada de "capones" ou "chicagos". A coisa toda está nessa ruidosa legislação que praticamente proibiu a ingestão de álcool por quem esteja conduzindo veículos. Uma verdadeira zoada.
A impressão que se tem é que, nem mesmo o anuncio em edição extraordinária de que o mundo estava se acabando teria o mesmo efeito devastador. Pelo jeito éramos biriteiros contumazes a um passo do "delirium tremens" e, agora, obrigados pela lei seca a dar um passo adiante. A nossa gente tem sido capaz de conviver com despropósitos insólitos e com uma naturalidade de assustar. Elegemos e re-elegemos políticos desonestos sem o menor constrangimento. Somos condescendentes com o "rouba, mas faz". E, por aí afora. Essa história de beber e dirigir é mais um exemplo.
Não é preciso nenhum exercício exaustivo de reflexão. É só parar para pensar um pouco: faz algum sentido que um sujeito se enfie, goela abaixo, a quantidade de álcool que seja e depois, se sente ao volante de um automóvel e saia por aí? Não se trata de uma questão de opinião. É matéria científica. Ou alguém duvida que o álcool altera os reflexos de qualquer individuo?
É claro que isso pode variar de uma pessoa para outra. É verdade que isso depende da quantidade de álcool ingerida, da massa corporal do individuo, de seu metabolismo. Mas, em algum nível, os reflexos sempre serão alterados. E, então, o que se poderia propor: tabelas individuais de capacidade de ingestão de álcool? Sim, uma tabela, uma regra para cada cidadão? Apesar do fascínio que o brasileiro parece ter pelas leis, também tem uma verdadeira idiossincrasia em se submeter a elas. Toda vez que a lei impõe algum tipo de restrição ao comportamento do sujeito ou de alguém próximo, lá vem a rebeldia. E sempre acompanhada de argumentos os mais patéticos ou disparatados.
Há não muito tempo três imbecis resolveram agredir uma mulher que esperava um ônibus. Era uma empregada doméstica indo para casa. Depois de apanhados, se justificaram explicando que pensaram que se tratava de uma prostituta. Foram presos. Vem, então, o pai de um deles reclamar que o tratamento concedido aos três cretinos era muito rigoroso. Afinal, os "meninos estudam, trabalham". Certamente se o agredido fosse seu filho, a história seria completamente diferente.
A chamada lei seca já deveria ter sido editada e aplicada com rigor há muito tempo. Agora que o assunto está em evidência, tem sido possível acompanhar flagrantes de motoristas em estado deplorável de consciência alterada. Esse é o sujeito que alega estar em perfeitas condições para dirigir seu veículo e, em algum momento, causa mortes no trânsito. Alguém em sã consciência, consegue defender uma coisa dessas? Ora, há muito tempo o Brasil parece perseguir o sonho de se tornar um país de primeiro mundo. Já houve época até em que se fazia campanha publicitária dizendo, por exemplo, que "povo desenvolvido é povo limpo".
Alguém realmente acredita que isso é um tipo de varinha mágica que vai nos colocar no clube do primeiro mundo? Não adianta absolutamente nada criar padrões de comportamento, tabelas com regras pré-estabelecidas. Povo desenvolvido é o que adquire consciência, aprende a refletir e respeitar padrões éticos e legais sem necessidade de que o poder de policia esteja sempre ao lado.
Povo desenvolvido é o que entende que a lei não comporta descumprimentos sob nenhum pretexto. Tem um custo, sim, mas o resultado certamente compensa. Enquanto acharmos que o nosso pequeno universo pessoal sempre merece prioridade em relação ao bem comum, vamos continuar a sonhar grande e agir pequeno. E, de pileque, passeando por ai.
15 de julho de 2008
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