domingo, 31 de agosto de 2008

STF exige que Lula explique grampo

Gilmar Mendes cobra do presidente resposta à denúncia de que autoridades tiveram conversas bisbilhotadas por escutas da Abin. Parlamentares também reagem. A agência determina a abertura de sindicância

Mirella D´Elia
Da equipe do Correio Braziliense

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, vai exigir do presidente Luiz Inácio Lula da Silva providências para esclarecer grampos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na mais alta Corte de Justiça do país. Indignado após uma reportagem da revista Veja revelar que ele foi vítima de escuta ilegal, Mendes cancelou compromissos e, diante do escândalo, conclamou os demais ministros para discutir o assunto na reunião do conselho do STF. O encontro, a portas fechadas, será amanhã. M
endes classificou o episódio como um atentado à democracia. Para ele, o país vive um “quadro preocupante de crise institucional”. “Não se trata de uma ação pessoal, mas contra o presidente de um dos poderes da República. Parece ser a instauração de um estado policialesco no Brasil”, disse.
Segundo a reportagem, agentes da Abin grampearam uma conversa entre Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). O diálogo foi gravado em 15 de julho, poucos dias após a polêmica suscitada pelos habeas corpus concedidos pelo presidente do STF, que mandou soltar duas vezes o banqueiro Daniel Dantas, preso na Operação Satiagraha da Polícia Federal (PF). Alvo de violenta reação da polícia e do Ministério Público, Mendes agradecia a Torres por ter feito um pronunciamento, atacando o pedido de impeachment protocolado contra ele no Congresso. O presidente do STF confirmou o teor da conversa.
Ontem, a Abin determinou a abertura de sindicância para apurar o possível envolvimento de servidores nos grampos ilegais. A agência vai mandar um ofício ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Jorge Armando Félix, para acionar a Procuradoria-Geral da República e o Ministério da Justiça para a adoção de medidas investigatórias.
Mais vítimas
De acordo com o relato de Veja, outras autoridades também foram vítimas de escutas ilegais. Na lista, estão o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), e os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE), Álvaro Dias (PSDB-PR) e Tião Viana (PT-AC). Outras vítimas foram os ministros da Casa Civil, Dilma Rousseff, e das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, além de Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente Lula. No STF, o ministro Marco Aurélio Mello também teve os telefones grampeados. “Isso é lastimável. Não dá para continuar presenciando, a cada dia, um novo escândalo”, declarou Mello.
No Supremo, o sentimento é de revolta. No Senado, Demóstenes Torres exigiu atuação imediata de Lula: “O presidente tem de provar que não é refém de um grupo de bandoleiros, renegados, bandidos e malfeitores hoje instalado no serviço de inteligência”, declarou. Garibaldi anunciou que vai procurar Gilmar Mendes para articular uma reação conjunta à ação dos arapongas. “O presidente Lula terá que tomar providências. Ele tem um papel decisivo no sentido de afastar qualquer possibilidade de que o seu núcleo de poder esteja patrocinando e incentivando isso”, cobrou o presidente do Senado.

Memória

Na CPI, diretor negou escutas

No ano passado, uma reportagem da revista Veja levantou suspeitas de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram alvos de escutas ilegais. A informação levou à instalação da CPI dos Grampos em agosto de 2007. Logo no início dos trabalhos, a comissão ouviu dezenas de pessoas e não conseguiu concluir que houve grampo contra autoridades da mais alta Corte judiciária brasileira. Patinando, a CPI iria encerrar melancolicamente os trabalhos no final de agosto, sem grandes revelações. Integrantes da comissão, principalmente da base aliada, contentavam-se em propor apenas alterações legislativas para aperfeiçoar as escutas telefônicas — diga-se, aquelas autorizadas pela Justiça. Os grampos ilegais continuariam à margem do processo.
Com a Operação Satiagraha, deflagrada em 8 de julho pela Polícia Federal, a comissão ganhou os holofotes da mídia, que nunca havia tido, e decidiu prorrogar suas investigações até o final de 2008. Deixou de ser uma CPI técnica, sem novidades, para tornar-se uma comissão com viés político. Antes da confirmação cabal de que o presidente do STF, Gilmar Mendes, foi alvo de grampo, o Supremo já havia levantado suspeitas de que o ministro tinha sido monitorado. Pela primeira vez, a suspeita do grampo ilegal pairou sobre a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Na ocasião, Gilmar tratou o caso com ironia: “Vou chamar a polícia?”
Pressionado pelos oposicionistas e até pelos governistas, o diretor da agência, Paulo Lacerda, foi à CPI e negou qualquer envolvimento de arapongas no episódio. Lacerda confessou que a participação de agentes na Operação Satiagraha foi maior do que se sabia até então – um crime grave, pois o papel institucional da agência é fazer segurança nacional, e não investigar. Mas, mesmo assim, foi tratado a pão-de-ló pelos deputados da comissão. Agora, diante da confirmação de que o presidente do Supremo e um senador foram grampeados, a CPI pode voltar toda a sua carga para o assunto. E agora, Lacerda?

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