segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Desta água não beberei a menos que me bata a sede

Bellini de Lima Neto
Articulista de O Estado do Tapajós


As relações humanas são verdadeiros mistérios que vivem desafiando os espíritos mais curiosos. A todo instante coisas acontecem e que fogem à compreensão geral. Por mais que se tente entendê-las, elas permanecem insondáveis. Acontecem e pronto. Imagine-se, por exemplo, se um dia o antigo mandatário de Cuba, Sr. Fidel Castro, resolvesse aceitar um convite (imaginário, é claro) do Sr. George Bush para um final de semana amigável, quase familiar. Depois de se abraçarem fraternal e saudosamente, sentariam os dois numa varanda ao ar livre e se fartariam de um daqueles "breakfast" de cinema, tudo regado a uma conversa de velhos amigos. Falariam de suas famílias, dos médicos que tem consultado, de seus esportes de preferência, seus clubes do coração, cinema, música. Até alguma coisinha sobre política poderia entrar nessa verdadeira cavaqueira de velhos parceiros. Inimaginável, não é mesmo? Eu também acho. Ou, ao menos, sempre achei.
Menos radical que isso tudo, lá pelos idos de 1935 um jovem e combativo adepto da esquerda nacional encabeçou, aqui mesmo no Brasil, uma tentativa de rebelião comunista. Chamava-se Luiz Carlos Prestes. Tinha como parceira de ideologia, cama e mesa, uma jovem chamada Olga Benário, comunista internacional e de origem judaica. O ditador de plantão era o ainda Pai da Pátria, Getulio Vargas. Bem no seu íntimo ou, talvez, até mais claramente do que isso, Getúlio tinha uma quedinha bem acentuada pelo seu colega da Alemanha, Adolph Hitler. Mas, como as circunstâncias eram muito adversas, ele não pode assumir seu carinho e acabou declarando guerra aos alemães, italianos e japoneses. Quanto a tal rebelião comunista do Sr. Prestes tentou eclodir, praticamente morreu no ninho. É assim, mesmo. Quando se quer, prende-se quem se quer. E lá foi todo mundo para a cadeia. E Olga Benário, que além de comunista, era judia, foi deportada diretamente do Rio de Janeiro para um campo de concentração nazista. Viagem de navio direta, sem escalas para evitar riscos de que o destino da moça fosse alterado.. Pouco importou que estivesse grávida. Nascida a criança, Olga Benário foi executada pelos nazistas como outros tantos judeus. Seu marido, Luiz Carlos Prestes, permaneceu preso nas cadeias do Sr. Getúlio. O tempo passou, o Sr. Getulio foi deposto, virou senador e depois se candidatou a presidência da república. E quem apoiou a candidatura do mais longo e mais apaixonado morador do então Palácio do Catete? Ora, o Sr. Prestes que, aparentemente, não deu tanta importância assim à travessura do caudilho gaúcho, aquela brincadeira perigosa de ter enviado sua mulher, mãe de sua filha, aspirar os ares dos campos de concentração nazistas. Agora, que ninguém venha me dizer que isso também é fruto das minhas divagações lunáticas. Isso eu não inventei, não.
E quem for capaz de matar essa charada talvez também consiga entender esse recente arroubo de admiração pelo qual está passando o senador José Sarney em relação à senhora ministra da Casa Civil. "Para êxito do governo, Dilma é a sacerdotisa do serviço público. Já fui tudo na vida e posso afirmar que poucas vezes vi uma pessoa tão dedicada. Por trás de tudo isso que Lula está fazendo, Dilma está na retaguarda", afirmou Sarney. Que coisa, hein? E justo neste ano de 2008 em que se registra os quarenta anos da assinatura do Ato Institucional no. 5. O complicado é ajeitar as peças no quebra-cabeças. Esse mesmo senhor Sarney, nos tempos do AI-5, era governador do Estado do Maranhão e depois virou senador do partido do governo de então. Ajuda do Google: "Governou o Maranhão (1966-1971) e cumpriu dois mandatos como senador (1971-1985), tornando-se um dos principais representantes políticos do regime militar". Nesses mesmos tempos a agora sacerdotisa andava de armas na mão seqüestrando embaixador e roubando cofres de autoridades pouco recomendáveis. Tudo para derrubar o governo que o Sr. Sarney defendia no congresso.
Pelo jeito, os ideais mudaram radicalmente, tão radicalmente quanto eram contrários naqueles antigos tempos chamados de chumbo. Isso, no entanto, não é o mais desafiante. Ainda recentemente, alguns antigos revolucionários que hoje ocupam cadeiras nos ministérios, resolveram revirar a história da Lei da Anistia. Ministros e quase ministros andam fazendo barulho com isso. Uma dessas vozes é exatamente a da sacerdotisa que hoje é motivo de euforia por parte do Sr. Sarney que, naquele tempo, era defensor do regime responsável pelas práticas de tortura que os atuais membros do governo, mas então guerrilheiros, estão querendo trazer de volta à cena para, então, botar as mãos nos torturadores e lhes pespegar um castigo em regra. Será que é isso, mesmo? O senador do regime militar torturador e a ministra ex-guerrilheira e torturada estão juntos por aí trocando afetos? E ela quer justiçar os torturadores do regime que o senador apoiava no congresso? Será que ele também não sabia de nada? E, porque, diabos, Fidelzinho e Jorginho também não podem tomar seu "break-fast" da reconciliação? E, por fim, e se fosse sério?
17 de dezembro de 2008

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