domingo, 25 de janeiro de 2009

A poluição tecnobrega

Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal


Já houve criação humana mais horrorosa em matéria de música do que o tecnobrega? Eu não conheço. A rigor, esse gênero nem pode ser enquadrado na condição de música. Não tem harmonia nem melodia. O ritmo é tão pobre quanto o de um bate-estaca. Uma voz esganiçada geme como se tivesse dado uma topada. Uma voz eletrônica interrompe o – digamos assim – cantante para anunciar qualquer coisa. Ao fundo, um ruído eletrônico remete o ouvinte à cacofonia do inferno. Quem submete seu ouvido a essa monocórdia repetição de um cantochão primal jamais virá a saber o que é música.
Servir de cenário para o surgimento dessa monstruosidade antimusical não consagra de vez o Pará como a terra do barulho e Belém como a sua lídima capital? De fato, o paraense tem uma propensão natural para ouvir música, cantar e dançar. A vertente verdadeiramente musical dessa tradição fecundou compositores, músicos e cantores em atividade como Nilson Chaves, Vital Lima, Alcyr Guimarães, Sebastião Tapajós, Nego Nelson, Fafá de Belém, Leila Pinheiro, Jane Duboc, Andréa Pinheiro e muitos outros.
Mas outra vertente foi progressivamente empobrecendo uma matriz que já era limitada. A música paraense de raiz é monótona, repetitiva, dominada pela marcação do ritmo, que cada vez mais sufoca as outras partes (mais relevantes) da composição. Ouve-se com deleite três números de carimbó. A partir daí, a exaustão vem rápido. Um disco inteiro de carimbó demarca na audição a exigência de quem ouve. Uma festa só de brega é passaporte para o rebaixamento do gosto. Uma única música de tecnnobrega é tortura auditiva. Com o som estourando o registro dos decibéis, é poluição humana certa.
A cidade é tomada todos os dias e inundada nos fins de semana por essa agressão de barulho, que também dá sua contribuição à violência geral. Contando, para a consumação do crime, com o disfarce da cultura popular. A tolerância geral para esse tipo de maneirismo não minimiza a gravidade da agressão. Só a torna menos perceptível. E, justamente por isso, mais letal. Corrói aos poucos, aniquila a sensibilidade, deforma o gosto.

Palavras ao vento

A Companhia Vale do Rio Doce anunciou, no mês passado, que recebeu da Secretaria de Meio Ambiente autorização para a “supressão florestal e demais formas de vegetação de uma refinaria de alumina com capacidade de produzir 1,86 Mtpa de alumina, localizada no município de Barcarena, Pará, com validade até 02 de dezembro de 2009”. Quem ler o edital da companhia, publicado no Diário Oficial e na grande imprensa, terá que se contentar com essas informações telegráficas e nada mais. De posse delas, não avançará muito na compreensão do que acontece, ao contrário do que devia ser o objetivo dessas publicações.
Ao fazer a comunicação oficial ao público, as empresas cedem o mínimo elementar de dados, enquanto o órgão público – concedente ou fiscalizador – faz de conta que a obrigação legal foi cumprida. Quando se trata de fazer propaganda, agradar a imprensa e fazer relações públicas, a empresa é generosa na cessão de espaços, muitas vezes sem necessidade objetiva. Mas é avara na hora de prestar contas à sociedade em geral e ao cidadão em particular. Como o eleitor costuma estar mal representado, a relação se desequilibra sempre.
O que a nota lacônica devia dizer é que a Alunorte, a maior produtora de alumina do mundo, vai ter que desmatar uma nova área para nela depositar os rejeitos (altamente tóxicos) do acréscimo de produção, de 1,8 milhão de toneladas, à sua capacidade anterior, agora elevada para 4,2 milhões de toneladas anuais do produto – e que poderá chegar a 7 milhões em breve. São as bacias de decantação da lama vermelha, contaminada por produtos químicos que são usados na lavagem do minério de bauxita para sua transformação num pó branco. Na continuação do processo produtivo, a alumina é queimada em fornos elétricos para virar metal de alumínio.
Qual a área que a Alunorte já desmatou para abrir as bacias de rejeitos? Quanto desflorestará agora? O edital não diz, mas devia dizer. Se não, é uma farsa a publicação oficial que quase nada diz. Por fim: por que a Vale assume a autoria da informação se a empresa autorizada é a Alunorte, na qual a antiga CVRD é majoritária, mas está associada a outras empresas, a maioria delas estrangeiras?
O governo pode continuar a ignorar as perguntas. Vou continuar perguntando. Espero que o leitor se interesse em obter as respostas, como é do seu direito.

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