sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Figuras geométricas

Belline Tavares de Lima
Articulista de O Estado do Tapajós


Apesar de ainda haver um bocado de gente que insiste em defender idéias ou pontos de vista que a história já superou, velou e sepultou, ninguém no seu juízo perfeito poderia argumentar que a Terra não é redonda. Ou quase, se alguém se apegar ao fato de ter os pólos ligeiramente achatados. Não cabe mais se discutir se o planeta tem outra forma, se é o centro do universo com a planetada toda girando à sua volta, como que se pretendeu durante séculos (só para que o nosso fosse o mais importante de todos e o nosso deus fosse o melhor dos deuses). Afinal, a ciência cansou de provar isso tudo à exaustão e, se não bastasse, o próprio homem foi dar umas voltinhas pelo espaço sideral e viu a nossa terrinha lá toda redonda e azul. Pois, com todas essas evidências, o planeta-Brasil volta e meia parece desafiar o indiscutível, instalar a dúvida no inquestionável.
Tem havido momentos em que a Terra-Brasil me parece um octacontágono. Que animal será esse? Bem, o mestre Aurélio explica que esse bicho de nome "octacontágono" é apenas um "polígono de 80 lados", uma figura geométrica que, em vez de ter três, seis, dez lados, tem oitenta. Imagine-se um objeto que tenha seis lados. É possível enxergá-lo por seis lados diferentes, dependendo de que ângulo se olhe. Se o objeto tiver oitenta lados, ao menos teoricamente será possível enxerga-lo por oitenta ângulos diferentes. E cada um fornecerá uma visão diferente. Muito parecido com o nosso tão desafiante país. Exemplos? Inúmeros. Essa história da crise financeira que tomou conta do mundo inteiro. Estados Unidos e os países da Europa tem tratado do assunto com evidente preocupação, falando em recessão mundial, risco de quebra de grandes empresas, desemprego. A menos que tudo não passe de um grande jogo de publicidade empreendido por alguma empresa cinematográfica em vias de lançar um desses filmes de catástrofe, o assunto tem jeito de ser sério. E se mostra sempre pelo mesmo ângulo da concretitude e preocupação. Já aqui no hemisfério octacontagonal do planeta, se ouve de tudo: marolinha, resfriadinho, invencionice de quem quer ver alguém se lascar, parvoíce de quem torce contra. E, é claro, aparecem outras facetas desse festival de lados. A indústria começa a demitir empregados. Então surge outro lado da história: falta de consciência dos empresários que se fartaram de ganhar dinheiro, estão com as burras cheias, mas preferem mandar os empregados embora sem se preocupar com tudo o que gastaram para montar suas equipes. São muitos lados, não é?
Por esses muitos lados da "terra brasilis" o que se continua a ouvir são os ecos dos discursos enfurecidos. Discursa-se contra os empresários, contra a imprensa, contra "eles", contra "os grandes", contra "as elites", todos os flibusteiros do mal que vivem conspirando contra os anjos do bem. Esse é outro lado interessante proporcionado pelo país do octacontágono: a encarnação de um filme de "cow-boy" em que o mocinho combate incessantemente os bandidos. O curioso do nosso xerife é que ele combate, grita, se exalta, mas fala como se não contasse com recurso algum sob seu controle. Um de seus inimigos mais ferozes parece ser a burocracia a quem ele atribui boa parte da culpa pelas dificuldades. Mas, a burocracia não é um entrave que vive dentro do seu terreno? De que lado será que ele enxerga isso? E por qual dos muitos lados o nosso xerife tem visto essa sua caravana pelo país afora com sua mais nova parceira a tiracolo fazendo apologia de seus supostos feitos? Uma das versões mais comentadas é que isso se chama campanha eleitoral e está sendo feita fora do tempo e com dinheiro público. Mas esse não é o lado pelo qual ele vê. Nem sua preferida, de quem ele diz que será a "xerifa" a partir de 2010 como favas contadas. Oitenta lados é complicado.
Uma das mais recentes manifestações geradas por essa estranha figura geométrica foi uma reunião ocorrida no epicentro de tudo com um grupinho de 3.500 prefeitos acompanhados de suas respectivas consortes. O xerife juntou essa turma toda e não se sabe bem do que falaram. Uma coisa, no entanto, parece que aconteceu por lá: os ilustres alcaides ganharam o direito de continuar não fazendo contribuições à Previdência Social por mais 20 anos. Ao que consta, tratava-se de dívida já negociada por não ter sido paga no vencimento. Fizeram acordos com o poder central. Não cumpriram o acordo, também. E agora ganharam um prazozinho adicional de 20 anos para liquidar a dívida. Bem, quando se tem uns oitenta jeitos de ver a mesma coisa, cada um olha como quer. Confesso que não me ocorreu pensar que esse convescote oficial tinha jeito de campanha eleitoral como andou dizendo a imprensa. Nem me causou muita surpresa o fato de alguém ter feito umas fotografias com o xerife e a sua protegida e pretensa substituta para que a turminha comprasse a R$30,00 por exemplar e pudesse fazer montagens como se tivessem, cada um deles, aparecido no mesmo retratinho (lembrancinha pra levar pra casa e mostrar aos amigos). O lado que me chamou a atenção foi que não se ouviu ninguém perguntar por que, diabos, essa contribuição à Previdência Social, não foi paga quando venceu? Nunca aparece alguém para explicar porque não se pagou, porque o plano não deu certo, porque o bandido não foi preso.
Acho que vou morrer curioso por essa resposta. É que eu optei por ver a coisa por um certo lado: o de que só fazer acordo para pagar depois não resolve. Precisaria saber por que não se pagou para corrigir o que está errado. Ou não? Ou não se paga e pronto. E depois, se espera um momento qualquer que interesse à xerifada e se ganha 20 anos para pagar o que não se pagou? Mas, também, são tantos lados nesse octacontágono que não tem como responder nada, mesmo.

15 de fevereiro de 2009

Nenhum comentário: