segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Lúcio Flávio Pinto: Cortesias (e dúvidas) que pairam no ar

A informação veio num dia: Romulo Maiorana Jr. devolverá o jato executivo Citation, que faz vôos fretados para sua empresa pessoal, a ORM Air. Com o dólar acima de dois reais, o leasing ficou muito caro. E o principal cliente, o governo do Estado, já não bancava a conta dispendiosa, como fazia nos tempos dos tucanos. No dia seguinte, uma notícia aparentemente em contradição: o jatinho levara o ex-governador Simão Jatene a São Paulo, para verificar a cirurgia do coração que fez duas semanas antes, em Belém, a segunda. logo os porta-vozes explicaram que Jatene foi de carona no avião, que, por coincidência, ia fazer revisão técnica. Num acaso ainda mais novelesco, o senador José Nery, do PSOL, aproveitou a deixa para uma pernada até Brasília, onde votaria no candidato do PT à presidência do Senado, Tião Viana, afinal derrotado pelo antediluviano José Sarney.
Os nós aparentemente desconexos do enredo, a provocar espanto e indignação, começaram a ser tecidos para desfazer a má impressão. Primeiro nó: a gentileza foi risonha e franca, gentileza do publisher Romulo Maiorana Júnior. Ao saber da viagem do jato executivo para a capital paulista, quando já estava no aeroporto, em plena madrugada do dia 2, sem conseguir embarcar num vôo comercial, o ex-governador do PSDB entrou em contato com o dono do grupo Liberal para pedir carona. Apesar das vergastadas que O Liberal tem aplicado no antigo aliado, a partir de sua reaproximação com o mega-inimigo Jader Barbalho, Rominho, contrariando seus hábitos rigorosos em matéria de gratuidade (dele para os outros, sem vice-versa), foi só cortesia com o convalescente Jatene.
Segundo nó: a carona do senador Nery foi a mesma do seu adversário político. Perdera o vôo (por um “problema de última hora” em plena madrugada não explicado – e provavelmente inexplicável diante da relevância da missão que o esperava na capital federal), soube que Jatene ia embarcar e entrou na fila da oportunidade. Apesar do consumo de mais combustível no desvio da rota Belém-São Paulo, a nova carona foi concedida – urbi et orbi – pelo magnânimo Romulo Jr. E assim, por mera circunstância, sem desembolsar um real, sem nada exigirem e sem de nada poderem ser exigidos, os dois políticos seguiram para seus destinos distintos sem os transtornos contumazes da aviação comercial brasileira.
Ao chegar em Brasília e ser apertado por um repórter do Correio Braziliense a se explicar, o único senador do PSOL saiu pela tangente, fugindo do assunto. Quando a história encompridou, teve que prestar os devidos esclarecimentos. Segundo nota de sua assessoria de imprensa, José Nery “chegou a propor um pagamento pela viagem, mas ao chegar a Brasília, Jatene não aceitou”. Para não estimular deduções outras, a nota tratou de complementar: “Inteligente como é, o ex-governador sabe que a despeito da gratidão pelo gesto, a carona não cria compromissos de qualquer ordem do senador Nery em relação a seu grupo político”. Gratidão essa que inspirou a decisão do senador de não comentar o assunto “para evitar expor o ex-governador, que viajou por motivos particulares, motivos esses cuja divulgação cabe apenas ao próprio”.
Em tal sucessão de mesuras e deferências, o leitor acabaria por concluir ser tutti buona gente, of course. E gente fina é outra coisa.

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