domingo, 22 de fevereiro de 2009

Lúcio flávio Pinto: Na terra em que a lei é potoca

Uma das frases mais características da herança do baratismo no Pará garantia que aqui “lei é potoca”. A lei existe para favorecer os amigos dos que a podem manipular e para perseguir, intimidar e reprimir os inimigos do poderoso, que tem a lei sob o seu controle. Executando essa máxima, um dos principais integrantes da segunda geração dos seguidores de Magalhães Barata declarou certa vez a um correligionário político de ocasião que despesas de campanha eleitoral não existem para ser pagas.
Foi quando Sahid Xerfan, derrotado por Jader Barbalho na disputa pelo governo do Estado, em 1990, recorreu ao seu padrinho de candidatura, o então governador Hélio Gueiros, sobre o que fazer para quitar o débito contraído com os prestadores de serviços à sua campanha. Enquanto Gueiros lavava as mãos, Xerfan sacrificou seu patrimônio para não aplicar o golpe. E tudo continuou como dantes na terra da potoca.
De rico empresário e político de grande apelo popular, Xerfan se reduziu a vereador de Belém, que conseguiu se reeleger raspando o tacho dos votos. E Gueiros continuou sua trajetória de figura impoluta, a distribuir lições, críticas e advertências. Mesmo perdendo a última eleição que disputou, para o senado, na qual era considerado franco favorito e que enfrentou nessa condição, à espera de uma consagração plebiscitária, ainda dispunha de uma tribuna, de página inteira, na edição dominical do Diário do Pará, do seu ex-inimigo figadal e depois, de novo, amigo de infância – e agora, quem sabe, candidato outra vez ao desentendimento, o deputado federal Jader Barbalho.
Por motivos até hoje não explicados ao distinto público, Gueiros perdeu a página, talvez não por iniciativa do jornal, mas por uma reação alterada – como de costume – do ex-governador a um incidente: a publicação da sua página não no tradicional domingo, com muito mais leitores, mas na segunda-feira seguinte. Desde então, a página desapareceu do Diário.
O ex-governador pode ter mais contratempos pela frente. Em 2006 o Ministério Público Federal propôs contra ele e o Partido da Frente Liberal (atual DEM) uma ação civil pública por atos de improbidade administrativa, “com o propósito de obter o ressarcimento dos valores referentes às irregularidades realizadas na aplicação de recursos oriundos do Fundo Partidário” pelo diretório regional do então PFL no Pará, no exercício de 1997.
A verba tinha uma destinação específica: a manutenção das sedes e serviços do partido, permitido o pagamento de pessoal até o limite máximo de 20% do total recebido; a propaganda doutrinária e política; ao alistamento e campanhas eleitorais; e a criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, 20% do total recebido. Como responsável pelo partido, o ex-governador deixou de atender às normas do fundo e não apresentou a prestação de contas dos recursos federais recebidos, “com inúmeras irregularidades, incidindo em ato de improbidade administrativa”.
Gueiros se limitou a apresentar prestação de contas a partir do momento em que assumiu a presidência do atual DEM, em 10 de julho de 1997, mas o Tribunal Regional Eleitoral do Pará exigiu a demonstração em todo exercício, por não haver a figura legal da prestação de contas parcial. Além desse aspecto, o partido não demonstrou ter aplicado o mínimo de 20% em um instituto ou uma fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, conforme exigia o fundo.
Ao receber o processo, o Tribunal de Contas da União considerou as contas irregulares e as rejeitou. Instaurou uma Tomada de Contas Especial para “a apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano”, relativamente ao repasse de 78 mil reais do fundo. As irregularidades apontadas não foram sanadas e o tribunal apurou em R$ 24,5 mil o valor que o PFL teria que restituir ao erário.
As principais despesas impugnadas foram R$ 20 mil com nota fiscal rasurada e fora de validade; R$ 2,5 mil de despesas sem nota fiscal (pagos ao Studio C); R$ 700 de despesas referentes a festas de final de ano; e R$ 1,25 mil de gratificações natalinas irregulares. Hélio Gueiros foi condenado ao pagamento do débito, atualizado monetariamente e acrescida dos juros de mora, calculados a partir de 20 de outubro de 1997, até a data do efetivo pagamento. O TCU aplicou ainda a multa prevista de R$ 3 mil, também atualizada monetariamente até a data do efetivo recolhimento.
Ao propor a ação de improbidade, a Procuradoria Regional da República admitiu que “não se pode fugir à conclusão de que houve omissão grave” por parte do ex-governador, “haja vista que se manteve inerte, mesmo após ter sido devidamente notificado para apresentar a correção das irregularidades nas Contas ou restituir a importância recebida do Fundo Partidário. Isso, certamente, constitui forte indício de prejuízo aos cofres públicos e, principalmente, ao interesse público, no que concerne aos interesses sociais da comunidade. Tal omissão quanto ao dever de prestar contas regulares de recursos públicos demonstra a sua total indiferença no trato da coisa pública, o seu menosprezo às instituições e, sobretudo, o desrespeito à sociedade que, afinal, é a verdadeira dona dos recursos públicos e, por isso, é quem deve usufruí-los”.
Disse ainda o representante do MPF no seu pedido que faltou a Gueiros “a observância da transparência devida na gestão de recursos públicos. Ademais, ante a prestação de contas irregular pode mascarar-se a subtração ou o desvio das verbas repassadas, ficando os responsáveis omissos, dessa forma, equiparado àquele que desvia ou desfalca. Daí porque a conduta omissiva importa em ato de improbidade administrativa”.
Em relação ao ex-governador, o MPF requereu, além da sua condenação e o ressarcimento integral dos valores devidos, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se ocorrer essa circunstância; a perda da função pública que, por ventura, estiver exercendo à época da sentença; a suspensão de seus direitos políticos pelo período de 8 anos; o pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano; a proibição de contratar com os poderes público pelo prazo de 5 anos;e a proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de 5 anos.
Hélio Gueiros agravou da decisão, mas seu pedido não foi aceito pela juíza federal Rosimayre Gonçalves de Carvalho, relatora convocada na 2ª vara federal de Belém. Analisando os autos, disse ter verificado que a decisão original estava correta. Segundo ela, Gueiros “não indicou a existência de erros na auditoria promovida pelo Tribunal de Contas da União ou nos valores indicados pelo Ministério Público Federal, ou mesmo pelo Tribunal Regional Eleitoral”.
Quando o delito foi cometido, Hélio Gueiros já tinha passado dos 70 anos. A rejeição do seu primeiro recurso à ação de improbidade, proposta quase 10 anos após os fatos, o pega aos 82 anos. Quantos anos mais decorrerão até a sentença final? Talvez, ao final, se final houver, por vias e travessas, se conclua pela impossibilidade de execução da pena eventual a ser aplicada, que no Pará continua em pleno vigor a máxima baratista: de que lei é potoca.

Um comentário:

Anônimo disse...

A lei vira mais potoca ainda na UFPA

www.portal.ufpa.br/docs/audin2002.pdf