Editor do Jornal Pesoal e articulista de O Estado do Tapajós
O dia 14 de março foi colocado no calendário da cidadania como o dia mundial da luta contra as barragens. Em Altamira a data foi antecipada de um dia porque no sábado
o colégio religioso Maria de Mathias, ligado à prelazia do Xingu, não funciona. Os estudantes constituíram a esmagadora maioria dos participantes da passeata, organizada para protestar contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, a maior prevista para o Brasil.
Muitos deles nem adolescentes eram, ainda freqüentando o ensino fundamental. Somavam menos de uma centena e percorreram não mais do que 200 metros, na beira do rio, até a sede da Eletronorte. Ali pararam e leram as frases escritas em faixas e bandeiras. Sabiam realmente o que estavam dizendo? Compreendiam o significado do ato de que participavam?
É pouco provável. A manifestação deve ter sido ensaiada durante alguns dias para ser a reprodução fiel da posição já assumida pela prelazia, contra a usina. A rejeição conseguiu seu eco, mas a mensagem não deve ter ido muito longe, nem abriu novas formas de percepção, conscientização e mobilização em torno da questão. O número e a condição dos manifestantes não credenciaram a passeata nem mesmo para figurar na pauta do dia seguinte da grande imprensa nacional, embora jornalistas estivessem presentes. Os adversários de Belo Monte podem estar do lado justo e certo, mas são francamente minoritários. Se o critério decisório for quantitativo, irão perder a disputa.
Aí está o ponto ômega do tema (ou G, como diria o presidente Lula, com seu saber de almanaque). As portas da sede da Eletronorte permaneceram fechadas, apesar do pleno horário de expediente no momento da concentração. Ninguém apareceu para ouvir ou, quem sabe, falar aos presentes. Apenas um carro da Polícia Militar fazia discreta – e bem visível – segurança ao prédio. A Centrais Elétricas do Norte do Brasil é uma empresa estatal. Logo, seus funcionários são servidores públicos. O público estava ali. Por que não informá-lo?
Talvez porque o último que se dispôs a cumprir literalmente sua obrigação foi espancado por índios, num auditório maior do que aquele, igualmente dominado por estudantes recrutados por ativistas sociais, naquela mesma cidade de Altamira, menos de um ano atrás. Se o argumento apenas serve de pretexto ao procedimento escapista de sempre da Eletronorte, os oponentes de Belo Monte deram legitimidade a essa estratégia de silêncio com a atitude agressiva contra o engenheiro Paulo Fernando Rezende. Se os defensores da usina não gostam de se expor ao debate sobre o projeto, os seus críticos perderam a rara oportunidade de uma discussão aberta e em profundidade com o técnico mais habilitado a essa sabatina, justamente o que foi agredido pelos Kayapó.
Será que as informações de um lado e as contestações do outro lado já são suficientemente densas e ricas para fundamentar posições inquestionáveis, refratárias a dúvidas, impermeáveis a novas abordagens? Belo Monte é mesmo o segundo melhor projeto (depois de Xingó, já executado no Nordeste) da história dos aproveitamentos hidrelétricos no Brasil, que o país não pode descartar de modo algum? Ou é o contrário: trata-se de um empreendimento condenado ao fracasso por seus pressupostos falaciosos? Estão assim tão bem fundamentadas as duas posições antagônicas, ou sua solidez deriva do fato de que se recusam a cruzar-se (e terçar armas) num terreno competente para fazer o teste da verdade e a prova dos nove?
A maior barragem em projeto no mundo atualmente é a do rio Xingu. No dia mundial da luta contra as barragens, essa característica devia servir de estímulo para que a melhor contribuição mundial fosse dada aos habitantes de Altamira para submeter as duas hipóteses (Belo Monte positiva e Belo Monte negativa) àquele tipo de teste plenamente ao alcance da metodologia científica, diante dos cidadãos, que responderão pelo custeio da obra e pelos seus efeitos, bons e ruins, para poderem decidir à luz do sol, como o que iluminava as margens do Xingu no dia 13, uma sexta-feira, coincidência que só perturbará as mentes primárias, não as inteligências vivas e arejadas.
Para que elas se expandam e predominem, os que se opõem à obra não podem lançar mão dos mesmos recursos de manipulação largamente utilizados pelos que pretendem viabilizá-la na marra, usando a mão pesada do governo. Mas também, se quiser dar conteúdo de realidade ao seu discurso de responsabilidade social e ao marketing do fato consumado, a Eletronorte não pode continuar a fechar suas portas sempre que a sociedade lhe cobra informações e uma posição clara. Ainda há tempo para mudar a regra das intervenções na Amazônia, feitas com o uso de tratores – sejam eles máquinas ou seres falantes.
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