Na Folha de São Paulo:
O Presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, rejeitou ontem, em sabatina da Folha, o rótulo de "líder da oposição". Ele diz que sua divisa é a "defesa do Estado de Direito" no país e atribui suas críticas frequentes ao governo à "situação de total descontrole" das instituições, principalmente na Polícia Federal. O ministro disse que até o presidente Lula compartilhou suas posições sobre a PF em conversa reservada. Questionado sobre a decisão favorável a Daniel Dantas, disse que o juiz Fausto De Sanctis tentava desmoralizar o STF.
A discussão sobre a Operação Satiagraha, que investigou Dantas, esquentou a sabatina de Mendes, que foi acompanhada por cerca de 300 pessoas. O ministro foi entrevistado por Renata Lo Prete, editora do Painel, que mediou o encontro, e pelos colunistas Fernando Rodrigues, Mônica Bergamo e Eliane Cantanhêde.
A plateia muitas vezes se dividiu entre manifestações favoráveis e contrárias ao ministro. Ao todo, o público se manifestou 16 vezes. Houve também momentos de maior tensão entre o ministro e os jornalistas. Ao longo de duas horas, Mendes bebeu seis copos de água. O ministro afirmou que o juiz De Sanctis, com sua atitude, quis "desmoralizar o STF, apostando que a opinião pública respaldaria aquela decisão". Para o ministro, se isso prevalecesse, De Sanctis seria hoje "o supremo juiz do Brasil".
Os jornalistas perguntaram sobre o suposto grampo de uma conversa telefônica entre Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). A transcrição do diálogo foi publicada pela revista "Veja", que atribuiu a interceptação à Abin (Agência Brasileira de Inteligência), chefiada então por Paulo Lacerda.
Lo Prete e Cantanhêde questionaram o fato de o áudio nunca ter aparecido. Rodrigues levantou a hipótese de tal interceptação ter sido forjada. Bergamo perguntou da onde vinha a certeza da participação da Abin ou de Lacerda. Mendes disse que, após o primeiro habeas corpus a Dantas, foi informado da nova prisão do banqueiro. Procurou, então, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região e falou com a vice-presidente, Suzana Camargo. Segundo o ministro, ela lhe afirmou: "o juiz [De Sanctis] me disse que todos os seus passos estão sendo monitorados". Depois, Mendes disse que pediu uma varredura no STF. "O monitoramento indicou algum tipo de escuta. Pode ter sido um alarme falso, mas havia esses dados."
Na sequência, diz que foi procurado por um repórter da "Veja", que lhe mostrou a transcrição do suposto grampo. "Eu disse que a conversa existiu. Ele falou que havia recebido o papel de um agente da Abin. Agora, sou a vítima e cabe a mim apresentar o áudio?"
Sobre a autoria do grampo, Mendes disse pela primeira vez "não ter muita certeza" de que foi a Abin, mas mencionou a apreensão nos arquivos do delegado Protógenes Queiroz, que chefiou a Satiagraha. "Não sei realmente quem fez o grampo. Sei que a busca e apreensão sugere isso, uma pessoa do quinto escalão guarda informações em casa. É preocupante". Sobre a hipótese de o grampo não ter existido, Mendes é enfático: "Se a gente tiver um pouco de inteligência, não dá nem para conceber o benefício da dúvida. Com ou sem grampo, os fatos que estavam a ocorrer indicavam que aquilo era extremamente plausível. Se a história não era verdadeira, era extremamente verossímil".
O ministro afirmou ter levado sua preocupação ao presidente Lula, de quem ouviu que a saída seria Lacerda processar a revista "Veja". "Não se trata disso, presidente, eu falei. É muito mais grave", disse. "O próprio presidente se queixou da falta de controle da PF. Teve o episódio da Xeque-Mate [investigação, de 2007, sobre comércio ilegal de máquina de jogos que citou o envolvimento de um dos irmãos de Lula]. Ele cansou de me dizer que aquilo era um absurdo, que violentaram a família dele, que não tinha ninguém que controlava a PF", disse.
OPOSIÇÃO
Sobre o fato de ser visto como "o líder da oposição" em razão de suas posições, Mendes afirmou que apenas faz "advertências" e que seu cargo tem "caráter político, mas não partidário. "Procuro advertir para que não haja excessos. São advertências normais que devem ser feitas diante de práticas abusivas. Não tenho nenhuma intenção de ser oposição." Mendes complementou dizendo que as advertências não antecipam julgamentos. "Você não vai encontrar nenhum caso em que eu tenha antecipado a decisão." Sobre uma eventual pretensão de trocar o Judiciário pela política, foi evasivo: "Nem cuido nem descuido".
MST
Ao ser indagado sobre as acusação de setores da Igreja Católica de que estaria atacando o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) por ser dono de terras, Mendes ironizou: "Eu devo estar falando sobre as más condições dos presídios porque eu devo ter um irmão lá, não é?" Em seguida, rebateu: "Herdei pequenas quantias de terra. A minha família está há 200, 300 anos em Mato Grosso. Mas imputar a mim isto [defesa dos proprietários] é uma desfaçatez". Mendes entrou em um embate com Cantanhêde, que perguntou se o ministro não estaria "correndo" para julgar e se declarar a favor dos ricos, em detrimento dos pobres. Ela foi aplaudida por parte da plateia. Na resposta, Mendes provocou a jornalista. "No último ano, creio que STF deu 18 habeas corpus contra a 5ª Turma do STJ, por conta de furtos de pequena monta. Não são noticiados. Por quê? Porque você não se interessa por eles na sua coluna", disse. Foi aplaudido.
IDP
Sobre o fato de ser um dos proprietários do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), disse: "Sou proprietário, como poderia ser proprietário de uma S.A. Tenho ações da Petrobras. Não tenho ingerência lá, como não tenho sobre os servidores que lá vão [no IDP]".
BATTISTI
Sobre o caso do italiano Cesare Battisti -ex-integrante de um grupo de extrema esquerda, acusado de homicídios na Itália-, o ministro afirmou que a decisão do STF deve definir o destino de Battisti. "Se houver a extradição, se ela se confirmar, será compulsória, e o presidente, o Executivo, deverá simplesmente executá-la." No final da sabatina, cerca de 25 membros do PSOL e da Ubes (União Brasileira de Estudantes Secundaristas) protestaram em frente ao teatro contra o ministro. Gritaram "fascista" e "criminoso".
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