sexta-feira, 10 de abril de 2009

Em busca de terra grátis

Massa de desempregados e pequenos comerciantes, ex-garimpeiros e profissionais como corretores de imóveis engrossa as fileiras dos movimentos pela reforma agrária no sudeste do Pará. Todos querem um lote

LEONEL ROCHA
Enviado Especial do Correio Braziliense

Iano Andrade/CB/D.A Press
Francisco com sua caminhonete cabine dupla: há seis meses, vendeu um sítio e guardou o dinheiro para investir no lote que espera ganhar
Marabá (PA) — As três entidades que organizam os sem-terra nas invasões de fazendas no sudeste do Pará perderam o controle sobre uma massa de desempregados que se incorpora ao movimento camponês pela reforma agrária. Em um mesmo acampamento convivem trabalhadores rurais em busca de uma gleba de terra para cuidar da família e migrantes sem-teto que vivem na região à procura de uma oportunidade. Nem mesmo a rigorosa rotina de um acampamento e o controle dos inscritos para um futuro assentamento impedem que pequenos comerciantes, corretores de imóveis, ex-garimpeiros e até chacareiros participem do movimento.

Um exemplo da infiltração de pessoas sem necessidade de terra nos acampamentos é o de Francisco Pereira da Silva. Aos 61 anos, casado, dois filhos adultos, um deles trabalhando como digitador do quartel do Exército, Irmão, como Francisco é conhecido, pretende receber um módulo rural padrão do programa de reforma agrária — 50 hectares. O objetivo é cultivar mandioca e produzir a própria farinha para vender na feira de Marabá nos fins de semana, como já faz hoje revendendo o produto adquirido de outros produtores. “Quero ter minha própria terra para não depender de fornecedor”, explica.

O irmão Francisco, assíduo frequentador da igreja evangélica Tabernáculo da Fé, não se intimida. Ele tem uma caminhonete Toyota cabine dupla, com carroceria de madeira e há seis meses fez uma reforma no carro para disfarçar os 18 anos de uso. “O carro saiu para mim por R$ 40 mil”, conta. Nos dias em que está no acampamento Helenira Resende, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na Fazenda

Há seis meses, Francisco vendeu um sítio de um hectare próximo ao centro de Marabá, com água e energia elétrica, e aguarda o momento certo para investir o dinheiro no esperado futuro lote da reforma agrária. Por lei, Irmão não se enquadra nos critérios para a escolha dos assentados pelo programa oficial de reforma agrária. Mas não custa tentar. Com o dinheiro que recebeu pelo sítio, poderia comprar 15 hectares de terra na periferia da cidade e produzir alimentos. Mas quer a terra de graça. Ele relembra que há 20 ou 15 anos o mesmo fenômeno aconteceu na região e, mesmo sem necessidade, muita gente da cidade recebeu lotes.

Revenda
Junto com Francisco, dezenas de outros pequenos comerciantes e profissionais de várias áreas engrossam o acampamento da Fazenda Cedro. Dois corretores de imóveis ouvidos pelo Correio também estão na turma que acampou no imóvel do grupo Santa Bárbara. Sob a condição de não terem os nomes revelados, eles contaram que estão no acampamento para conseguir um lote e melhorar de vida. Um deles pretende revender a terra e continuar na cidade onde a mãe é comerciante.

Com a onda de invasões de terra no sudeste do Pará, uma das fazendas escolhidas foi a Sororó, do comerciante Reinaldo Zucatelli. Abandonada em 1999 depois que a Polícia Federal detectou trabalhadores em situações análogas à escravidão, a área com mais de 2 mil hectares foi escolhida pelo desempregado Rivaldo Soares, o Federal, e outras 68 famílias para tentar obter um pedaço de chão. A propriedade, originalmente um castanhal que deveria estar de pé, foi transformada ilegalmente em pasto e está sendo reivindicada pelo estado do Pará, que considera a terra pública.


Quero ter minha própria terra para não depender de fornecedor

Francisco Pereira da Silva


Juntando forças

A Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) decidiram juntar forças. Vão dividir a área de atuação das duas instituições na região do sudeste do Pará. Foi acertado que os camponeses que seguem orientação da federação deixarão hoje a Fazenda Cedro, no Km 563 da PA-150, e serão transferidos para outro imóvel da mesma agropecuária, a Fazenda Espírito Santo, em Xinguara, invadida em fevereiro. Em troca, o MST retira suas famílias da Espírito Santo e ocupa os barracos levantados pela Fetraf na Cedro. “Os dois movimentos não podem ficar juntos na mesma fazenda. É um desperdício de forças”, explica Francisco Ferreira de Carvalho, o Chico da Cib, presidente da Fetraf.

A Fetraf organiza 61 acampamentos no Pará. A maior concentração está ao longo da rodovia PA-150, com oito ocupações e 1,4 mil famílias sob a bandeira da federação. Chico da CIB prefere não ingressar no MST e se incorporar à estrutura sindical tradicional. Garante que seus liderados não matam gado das fazendas ocupadas, nem mesmo para a alimentação das crianças. O sindicalista acusa os grupos de posseiros isolados que estão na Fazenda Barreira Branca de caçar gado.

O coordenador do assentamento do MST na Fazenda Maria Bonita, Moisés Jorge Costa da Silva, aceita dividir as tarefas com a Fetraf. Tendo que controlar 500 famílias acampadas, ele não tem tempo para coordenar o grupo que ocupa outro imóvel. Aos 31 anos, casado e com cinco filhos, Moisés usa dois telefones celulares de última geração e está sempre visitando os parentes em Marabá. (LR)

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