quarta-feira, 22 de abril de 2009

Recurso extraordinário de Maria no STF recebe parecer contrário da Procuradoria Geral da República

A Procuradoria Geral da República emitiu parecer contrário às pretensões da ex-prefeita Maria do Carmo que, em recurso extraordinário que está sendo analisado pela ministra Ellen Gracie, requer o deferimento de seu registro de candidata a prefeitura de Santarém, pedido indeferido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Segue o texto da parecer.


RECURSO EXTRAORDINÁRIO N.º 597.994/PA

RECORRENTE: MARIA DO CARMO MARTINS LIMA

RECORRIDO: JOSÉ ERASMO MAIA COSTA

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

RELATORA: MINISTRA ELLEN GRACIE


(.......)

11. O recurso reúne condições de admissibilidade, devendo, pois, ser conhecido. Não comporta, todavia, provimento.

12. Discute-se a possibilidade de os membros do Ministério Público exercerem atividade político-partidária, após o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, sem o afastamento definitivo da instituição.

13. A tese defendida na ação de impugnação e acatada pelo Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de que, tendo a candidata ingressado no Ministério Público após a Constituição de 1988 e tendo a mencionada Emenda Constitucional nº 45/2004 exigido o desligamento definitivo do órgão ministerial para o exercício da atividade político-partidária, faltar-lhe-ia uma das condições de elegibilidade, uma vez que apenas licenciada da instituição.

14. A ora recorrente, por sua vez, sustenta que ingressou no Ministério Público antes do advento da Emenda Constitucional nº 45/2004 e que se encontrava licenciada e eleita para um segundo mandato consecutivo quando houve a alteração constitucional, tendo, segundo entende, direito adquirido ao exercício da atividade político-partidária e à reeleição.

15. Esta não parece ser, contudo, a compreensão mais adequada do tema.

16. A possibilidade de os membros do Ministério Público exercerem atividade político-partidária constituía matéria controvertida mesmo antes da alteração trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004. O texto original do art. 128, § 5º, inciso II, alínea “e”, da Constituição Federal era assim redigido:

“Art. 128 – O Ministério Público abrange:

(...)

§ 5º – Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

(...)

II – As seguintes vedações:

(...)

e) exercer atividade político-partidária, salvo exceções previstas em lei.”

(sem grifos no original)

17. Os arts. 237, inciso V, da Lei Complementar nº 75/1993, e 44, inciso V, da Lei nº 8.625/1993, estabeleceram a proibição do exercício da atividade política, ressalvando a possibilidade de filiação e o direito de o membro do parquet afastar-se para exercer cargo eletivo ou a ele concorrer.

18. Tais dispositivos foram objeto de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pelo então Procurador-Geral da República (ADIs1.371 e nº 1.377), tendo esse Supremo Tribunal Federal, sob o entendimento de ser totalmente incompatível o exercício das funções ministeriais e a vinculação a partido político, julgado parcialmente procedentes as ações, para dar aos dispositivos interpretação conforme a Constituição, estabelecendo que a filiação de membro do Ministério Público somente poderia efetivar-se na hipótese de afastamento de suas funções institucionais, mediante licença, nos termos da lei.

19. Naquela oportunidade já vislumbrava-se a dificuldade de harmonização entre as funções institucionais dos membros do Ministério Público e o exercício de atividade político-partidária, como esclareceu em seu voto o ilustre Ministro Néri da Silveira:

“Difícil se faz, destarte, a harmonização de uma postura institucional de independência e imparcialidade com vínculos partidários de que decorrem deveres e disciplina impostos por entidade de direito privado aos que a ela filiados, de ordinário, em face também de conjunturas de cada momento político em que viva a sociedade.[1]

20. Mesmo após a Emenda Constitucional nº 45/2004, houve discussões sobre os efeitos da alteração em relação àqueles membros que se encontravam licenciados e no exercício de mandato eletivo. O Tribunal Superior Eleitoral, nos ROs999 e nº 1116, confirmou o deferimento dos registros das candidaturas de Dimas Eduardo Ramalho e de Francisco Leite de Oliveira, membros do Ministério Público que, à época da promulgação da emenda, exerciam mandatos parlamentares. Ambos os recursos tiveram parecer da Procuradoria Geral Eleitoral pelo deferimento do registro.

21. Não obstante, reexaminado o tema, ressalta a conclusão de que, com a mudança trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, fez-se absoluta a proibição da atividade política, assim dispondo a nova redação do art. 128, § 5º, inciso II, alínea “e”, da Constituição Federal:

“Art. 128 – O Ministério Público abrange:

(...)

§ 5º – Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

(...)

II – As seguintes vedações:

(...)

e) exercer atividade político-partidária.”

(sem grifos no original)

22. Sendo o exercício da atividade político-partidária expressamente vedado pela Constituição Federal aos membros do Ministério Público, imprescindível o afastamento definitivo da instituição para a implementação das condições de elegibilidade.

23. Na lição de Alexandre de Moraes, “essa nova vedação passou a constituir causa absoluta de inelegibilidade – assim como já existente aos magistrados –, pois os membros do Ministério Público não poderão filiar-se a partidos políticos, nem tampouco disputar qualquer cargo eletivo, salvo se estiverem aposentados ou exonerados”[2].

24. As consequências da vedação trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 foram anteriormente analisadas pelo Tribunal Superior Eleitoral em consultas que originaram as Resoluções TSE22.045/2005 e nº 22.095/2005:

“COMPETÊNCIA – CONSULTA – REGÊNCIA E NATUREZA DA MATÉRIA. A teor do disposto no inciso XII do artigo 23 do Código Eleitoral, a competência do Tribunal Superior Eleitoral para responder consulta está ligada ao envolvimento de tema eleitoral, sendo desinfluente a regência, ou seja, se do próprio Código, de legislação esparsa ou da Constituição Federal.

MINISTÉRIO PÚBLICO – ATIVIDADE POLÍTICO-PARTIDÁRIA – ALÍNEA “e” DO INCISO II DO ARTIGO 128 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – EMENDA CONSTITUCIONAL nº 45/2004 – APLICAÇÃO NO TEMPO. A proibição do exercício de atividade político-partidária ao membro do Ministério Público tem aplicação imediata e linear, apanhando todos aqueles que o integram, pouco importando a data de ingresso.”

“CONSULTA. MATÉRIA ELEITORAL. DISCIPLINA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. CANDIDATURA. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. ADVENTO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. VEDAÇÃO.

I – Compete ao TSE responder às consultas que lhe forem feitas em tese, por autoridade federal ou entidade representativa de âmbito nacional, acerca de tema eleitoral '(...) do próprio Código, de legislação esparsa ou da Constituição Federal' (Precedente: Cta nº 1.153/DF, rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 26.8.2005).

II – Os membros do Ministério Público da União se submetem à vedação constitucional de filiação partidária, dispensados, porém, de cumprir o prazo de filiação fixado em lei ordinária, a exemplo dos magistrados, devendo satisfazer tal condição de elegibilidade até seis meses antes das eleições, de acordo com o art. 1º, inciso II, alínea j, da LC nº 64/90, sendo certo que o prazo de desincompatibilização dependerá do cargo para o qual o candidato concorrer.

(...)”.

(sem grifos no original)

25. Por outro lado, improcede a alegação da recorrente no sentido de que teria direito adquirido ao exercício da atividade político-partidária e à reeleição. Como bem ponderou a Ministra Cármem Lúcia[3] no acórdão impugnado, o direito à reeleição não é absoluto, sendo, na realidade, um direito de recandidatar-se, desde que preenchidas as condições de elegibilidade. A recorrente, por ocasião das eleições de 2008, não preenchia tais requisitos, sendo inválida sua filiação partidária, eis que não afastada definitivamente do seu cargo no Ministério Público.

26. A propósito, percuciente a argumentação do Ministro Joaquim Barbosa:

“ (...) os pressupostos de elegibilidade se renovam para cada eleição. Ela foi eleita em 2004 porque a situação jurídica dela, naquele momento, permitia. Essa situação se alterou em dezembro de 2004 e não atingiu o direito que ela adquiriu nas eleições de 2004. Ela pôde cumprir o mandato até o final; agora, tem de se submeter ao novo quadro jurídico trazido pela Emenda nº 45. Segundo esse novo quadro jurídico, ela não pode sequer candidatar-se”.

(fls. 820)

27. Assim, mesmo entendendo possível, nas eleições de 2004, que o membro do Ministério Público se candidatasse – desde que licenciado dentro do prazo, mantendo o vínculo com a instituição – isso não acarretaria o implemento das condições de elegibilidade para as eleições de 2008, em que, sob o pálio da Emenda Constitucional nº 45/2004, necessário seria o afastamento definitivo do cargo.

III

28. Ante o exposto, opina o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pelo desprovimento do recurso extraordinário.

Brasília, 16 de abril de 2009

ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS

VICE-PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

APROVO.

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

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