Irmã de Ayrton Sena, presidente da fundação que leva o nome do piloto de fórmual 1, morto em acidente na pista de Monte Carlo, há 15 anos, Viviane Senna Araújo fala nesta entrevista da luta pela melhoria da educação no Brasil . "A gente está largando com todas as crianças, mas não está conseguindo chegar com elas na linha final. E isso se dá porque nós temos uma educação de pouca qualidade. Não é suficientemente forte para fazer as crianças irem até o fim.", diz Viviane na entrevista a seguir:
1994 é o ano da criação do Instituto Ayrton Senna e, ao mesmo tempo, a data da morte de seu irmão. Como a senhora lida com sentimentos tão opostos: a alegria pela criação do instituto e a tristeza pela perda do Senna?
A verdade é o seguinte: as coisas, em si, não necessariamente têm de determinar a sua reação. Tem uma frase que diz: “não se deixe vencer pelo mal, vença o mal pelo bem” e, para mim, isso é um princípio. A gente tem a liberdade de, mesmo diante de um mal, agir com o bem. E foi isso o que a gente fez. Diante daquela situação de morte, a gente reagiu com uma resposta de vida, que é todo o trabalho do instituto. Na verdade, o objetivo é dar a todas as crianças as mesmas oportunidades que o Ayrton, você e eu tivemos de ser bem-sucedido, de ser uma pessoa preparada para a vida, por isso a gente foca em educação. Então, acho que foi uma maneira de transformar um grande mal num grande bem.
Até então a senhora já tinha algum envolvimento com causas sociais?
Eu trabalhei durante mais de 20 anos com consultório, eu sou terapeuta, e em parte do meu tempo de consultório eu atendia pessoas de baixa renda. Então, era uma experiência num nível bem mais limitado, mas tinha o mesmo princípio de oferecer oportunidades para quem não teria necessariamente, do ponto de vista de acesso à saúde mental.
E o Ayrton Senna, ele sempre foi envolvido ou aconteceu num determinado momento da vida dele?
Ele tinha também uma atuação que era bem pontual, por demanda, pessoas ou instituições pedindo algum tipo de ajuda, e tinha uma resposta para cada uma dessas situações, mas era justamente uma coisa que ele queria evitar. Porque era uma coisa muito reativa, muito fragmentada, e isso tem uma eficácia muito pequena. Ele estava me falando, antes do acidente, de como fazer uma coisa mais organizada, e me pediu para pensar. A gente voltaria a conversar, mas não houve esse tempo. Então, minha família e eu decidimos criar o instituto. O Ayrton não tinha nem pensado em criar alguma coisa, era algo bem embrionário mesmo. O que ele tinha pensado, seja o que fosse fazer, era dar um percentual dos royalties do (personagem) Senninha, que ele tinha lançado em janeiro, para essa área de ajuda. Então, quando a gente fez a fundação, decidiu doar não uma porcentagem, mas 100% do uso da imagem do Senninha e também do Ayrton. E foi o que a gente fez, e resultou, até hoje, em mais de US$ 50 milhões que a gente doou para o país através dos projetos. E, posteriormente, depois de dois anos, empresas começaram a nos procurar. A gente não tinha pensado primeiramente em trabalhar com recursos que não fossem nossos, de licenciamento. Mas a gente achou que seria uma maneira de ampliar oportunidades. E aí juntamos recursos internos com externos, o que dobrou a capacidade de respostas. A gente está atendendo 2,2 milhões de crianças por ano e 1,6 mil municípios, quer dizer, mais ou menos um quinto dos municípios do país, em todos os estados.
Para a senhora, como foi sair da condição de uma psicóloga anônima para ser a grande dama do terceiro setor?
Olha, na verdade, a gente sempre teve a vida muito preservada. O Ayrton era a parte pública da família. Nesse caso, eu não tive nem opção. Como a imagem do Ayrton é pública, no momento em que a gente decidiu fazer o instituto, isso se tornou público com uma rapidez muito grande, gerou uma expectativa, uma atenção. Procuro canalizar essa atenção para a causa que realmente merece atenção, que é a questão da educação no país. Toda essa imagem do Ayrton, que traz tanta atenção, é que nem um foco de luz, que procuro canalizar para o que merece atenção; não para ele nem para mim, porque isso não é importante. O importante são os desafios públicos que a gente tem de resolver no país.
Hoje, para a senhora, qual o principal desafio na educação brasileira?
É a questão da qualidade e da eficiência. Porque a gente já cumpriu muito da tarefa quantitativa, que é colocar as crianças na escola, mas o que não foi cumprido é fazer isso com qualidade. Porque, ainda que você atenda muitas crianças, quase 100%, que é uma taxa de primeiro mundo, se você não faz isso com a qualidade e a eficiência, que é o objetivo, você acaba atendendo, de fato, poucas crianças bem. Que é o que acontece. Por conta da má qualidade, a criança repete, repete, repete, vai ficando cada vez mais para trás e acaba que ela desiste. De cada 10 crianças que entram na 1ª série do ensino fundamental, só cinco saem na oitava série e só três dessas cinco no ensino médio. Então, entre a 1ª série e o ensino médio, a gente perde 70% das crianças do país. Elas não chegam lá, elas saem no meio do caminho. Por conta da má qualidade, no fim, você faz educação para poucos.
Programas como o Bolsa Família ainda não conseguiram evitar o problema?
Eles contribuem à medida que exigem a frequência na escola, mas se a frequência não garante sucesso, você também não fecha essa equação. Na prática, isso continua significando educação para poucos, como era quando ainda era quantativamente insuficiente o atendimento. O que acontece é que nós fizemos um país para poucos, uma educação para poucos. É como um carro que coloca uma gasolina fraca e não chega ao final da corrida. A gente está largando com todas as crianças, mas não está conseguindo chegar com elas na linha final. E isso se dá porque nós temos uma educação de pouca qualidade. Não é suficientemente forte para fazer as crianças irem até o fim.
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