Ex-governador do Pará, ex-ministro e ex-senador
Com a arrogante presunção, que é regra usual de muitos que assumem funções públicas, o então ministro Ricardo Berzoini, da Previdência Social, defendendo a reforma constitucional, dizia fazê-lo para “reduzir as despesas com esse sistema previdenciário velho, ineficiente, injusto, concentrador, para que, já no Orçamento de 2004, possamos ampliar os investimentos nas áreas que garantam melhorias dos indicadores sociais e propiciem crescimento econômico e geração de emprego”.
Como pretendia o ministro poupar o futuro de gastos que impediam o crescimento econômico e a geração de 10 milhões de empregos que o presidente Lula, quando candidato, garantia criar? Claro que substituindo o sistema velho e ineficiente por outro novo e eficiente. A reforma constitucional eliminaria a injustiça. Getúlio Vargas, criador da CLT e precursor da previdência social implantada com dois sistemas diversos, por tratar-se de atribuições, vantagens e desvantagens diferentes, não viu nisso nenhuma injustiça. Ao contrário, sempre mereceu louvado. Para o ministro, porém, era imperativo eliminar a injustiça existente na desigualdade dos dois sistemas.
A Previdência, em 2002, consumiu R$ 56 bilhões, nos dois sistemas, para pagar benefícios aos segurados. R$ 17 bilhões para benefícios a 19 milhões do sistema que serve aos trabalhadores privados, administrado pelo INSS, e R$39 bilhões com o sistema público de apenas 3,2 milhões de servidores, ou seja, R$ 894 por trabalhador e R$12.187 por servidor público. Conclui o ministro: “Há, portanto, grande desigualdade entre os dois sistemas, que precisam preservar seu equilíbrio financeiro e atuarial segundo a Constituição”.
Ora, o que diferençava o ministro Berzoini de Getúlio Vargas não era senão a diferença de salários, nos dois sistemas. O do trabalhador celetista resultava do pagamento regulado pelo mercado, onde dos 15 milhões de aposentados 12 milhões recebiam proventos de um salário mínimo/mês. Isso não se dava com o servidor público, estatutário, o qual só entrava mediante concurso, a maioria exigida para candidatos com curso superior, com salário muito superior ao de um trabalhador comum.
Como resolver essa desigualdade que, segundo o ministro, contribuiu para impedir o desenvolvimento econômico e a geração de emprego? Pelo cálculo atuarial, os assessores do ministro chegaram à solução: cobrar 11% sobre o salário bruto do servidor público, já aposentado. Um sério obstáculo, porém, teria de ser removido. A aposentadoria fora obtida uma vez satisfeitos todos os requisitos legais. Ela não era uma expectativa de direito, mas um direito substantivo, exercitável quando lhe conviesse. Cobrar-lhe o adicional em face de uma lei nova que reduzia o valor da aposentadoria, até mesmo se, não exercido, o direito substantivo transmuda-se em direito adquirido, como há muito reconhecera o Supremo.
Logo, o ministro tinha a certeza de que nova lei infraconstitucional não era o caminho para o que objetivava conseguir. A Constituição, no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, art. 5º, XXXVI, estabelece que “a lei não prejudicará o direito adquirido”. Daí a apresentação de uma emenda constitucional, aprovada e promulgada com a ajuda decisiva dos juristas do mensalão. Ainda assim, o obstáculo não fora removido, porque a oposição considerou a emenda como inconstitucional e bateu às portas do Supremo. Ao julgar a causa, a maioria da Corte votou pela constitucionalidade da emenda, negando ser direito adquirido a aposentadoria.
O conceito de direito adquirido — no voto de um eminente ministro — “não existira, como não existiu no 2º Império, para amparar os donos de escravos, quando se dera a Abolição”. Somos, pois, os servidores públicos, os donos das Casas Grandes, vencidos pela Princesa Isabel, reencarnada na maioria do Supremo Tribunal Federal.
Estaria feliz o governo, eliminada a desigualdade entre os dois sistemas da Previdência Social e, consequentemente, afastado o obstáculo para fazer o país crescer economicamente, apto a ter bom sucesso no esforço pela inclusão, como salientou possível o ministro se acabasse a “injustiça” previdenciária? O equilíbrio dos sistemas (uma utopia), desmente-o a sucessão de déficits da Previdência, desde que o direito adquirido legitimo dos seus aposentados, em vez de absoluto passou a relativo. Um lustro depois da reforma, ao crescimento econômico não parece ter ajudado o esbulho dos 11% dos salários de servidores inativos, haja vista o crescimento do PIB, em média inferior a 3% ao ano, nos últimos seis. De resto, como explicar os déficits da Previdência em 2007 e 2008, que ultrapassaram R$ 16 bilhões de em cada ano? A inclusão, em parte, dos que viviam com menos de um dólar por dia, concretizou-a o assistencialismo, cujo carro-chefe é a bolsa família, graças ao aumento sucessivo da arrecadação.
Os rombos são consequência dos benefícios sem custeio, na maioria frutos de demagogia, que continuarem a ser pagos pela cota dupla de contribuição de empregados e empregadores, em vez de pelo Tesouro.
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