O deputado Vic Pires Franco incorporou ao seu currículo um título que deverá acompanhá-lo pelo resto da sua vida pública: o político da Amazônia que mais utilizou as cotas de viagens da Câmara Federal para promover vôos internacionais. O parlamentar, com 27 passagens lançadas em seu nome, ficou em 7º lugar na listagem nacional (o Pará é o 16º por IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano), liderada por Dagoberto Nogueira, do PDT do Mato Grosso do Sul, com 40 emissões de bilhetes internacionais. O título de tornou um estigma. Dependendo do jeito como for utilizado, poderá abreviar muita carreira política quando sua renovação for tentada, na eleição do próximo ano.
Não quer dizer que este venha a ser o destino inexorável do deputado paraense. Ele é inteligente, articulado e audacioso. Flagrado na primeira hora pela revista eletrônica Congresso em Foco, Vic não apenas admitiu o uso das passagens: foi o primeiro a desenvolver uma teoria explicativa para o fato, que ainda hoje continua a revelar facetas surpreendentes, chocantes ou escabrosas.
Pelo raciocínio do marido da ex-vice-governadora Valéria Pires Franco, ao invés do título negativo, esteve em suas mãos uma bandeira única: ser o único parlamentar a devolver o valor da cota de passagens por falta de uso. Mas ele afastou de si esse cálice valioso. Como não precisou de todas as passagens (com destino a Buenos Aires, Miami e Paris), ele transferiu bilhetes para a esposa, os filhos, os namorados das filhas e um casal de amigos, do qual é compadre.
Vic argumentou que procedeu dessa maneira porque, até a questão estourar como escândalo, os deputados eram informados pela administração da “casa” que podiam usar como quisessem as passagens Só não podiam vendê-las. Ao repórter do Congresso em Foco, disse que só tinha três caminhos: “devolver a cota, usá-la para viajar ou vendê-la”. Em tese, porém, só teria duas, diante do veto à venda: devolver ou viajar. Como “ninguém nunca devolveu” uma passagem que fosse, só havia um destino para os senhores parlamentares: a “farra das passagens”, a qualificação aplicada a essa prática tão pouco republicana.
A revelação dessa orgia não afetou aqueles seus praticantes que nunca deixaram qualquer dúvida sobre a razão de terem buscado uma cadeira parlamentar: para “se ajeitar”. Mas desnudou a face oculta daqueles que tentavam assumir o discurso da moralidade, da ética, do compromisso público. De forma clamorosa, políticos como Fernando Gabeira e a ex-senadora Heloísa Helena. Gabeira, sem escapatórias, limitou-se a reconhecer o erro e falar o mínimo possível para não fazer marola e se afogar. Heloísa Helena sacou da teoria conspirativa para com ela atirar a esmo em todas as direções. A manobra, por seu claro sentido diversionista, não deverá ter grande eficácia. Ela denunciou todas as possíveis motivações interesseiras e comprometidas por trás da denúncia feita contra ela, que também usou a cota de viagem, mas não negou o fato. Justamente por se tratar de fato. Portanto, ela não é a mulher de César, que tentava parecer que era.
Tentativas de explicar ou teorizar, como a que o deputado Vic Pires Franco sacou com sagacidade, se aceitas, levam a uma – e só – conclusão: não há lugar para a virtude no parlamento brasileiro. O virtuoso, que teria devolvido a cota das passagens não usadas, sabendo-a uma concessão do povo, simplesmente não existiria no Congresso Nacional, a julgar pela declaração do deputado paraense. Não existindo a virtude, tudo que está à margem dela se torna possível.
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