segunda-feira, 25 de maio de 2009

Lúcio Flávio Pinto: A eleição de 2010 está nos gabinetes


Se a eleição para o governo do Estado fosse agora, o segundo mandato de Ana Júlia Carepa estaria em perigo. É o que todos os círculos políticos proclamam ou admitem, exceto um pequeno compartimento do partido da governadora, que abriga a tendência do PT Democracia Socialista. A DS só tem um militante de dimensão estadual: a própria Ana Júlia, com um currículo invejável.


Ela foi dirigente sindical (dos bancários), vereadora, vice-prefeita, prefeita em exercício, secretária municipal e senadora. Sofreu derrotas e deu saltos de impressionar. Tem qualidades pessoais sem as quais um político não se cria num Estado enorme, complexo, pobre e ao mesmo tempo rico, como o Pará. Mas antes de dar o salto, a própria Ana Júlia não se sentia em condições de enfrentar o desafio. Foi senadora e governadora depois de ter relutado em se tornar candidata. Achava que não ganharia. Foi obrigada a entrar na disputa pela direção nacional do partido e por um aliado de ocasião (ocasião cada vez mais repetida, a despeito do desejo em contrário dos protagonistas): Jader Barbalho, do PMDB.


Sem Ana Júlia, a DS voltaria a ser o que é sem essa adiposidade de poder: um grupo político que não consegue atravessar da teoria da política para a prática política sem se perder pelo caminho, que não é longo, mas está em terreno minado. No último ano de tempo útil antes do período oficial de campanha, qual a marca positiva do atual governo do Estado para credenciá-lo como postulante efetivo à vitória ou favorito na corrida? A promessa de que, daqui para frente, realizará o que não fez, compensando esse saldo extremamente negativo.


Fará com quê, se, de próprio, quase nada fez e, além disso, os recursos do tesouro começam a faltar, por dissipação no uso ou evaporação na conjuntura econômica crítica? Fará com as verbas das emendas parlamentares e do Programa de Aceleração do Crescimento. Já foram abertas ou consumadas as licitações para as obras no segundo semestre, ou os editais estão prontos para ir às ruas. Logo o interior do Pará será um canteiro de empreiteiras, ávidas por faturar e dispostas a partir e repartir os recursos, os oficiais e os não contabilizados. O panorama atual se modificará por inteiro.


Talvez, contrastando com a inércia mantida até agora, essa transformação realmente ocorra e, por força da máquina oficial, Ana Júlia possa encerrar o ano como a favorita para a vitória eleitoral em 2010. Mas não se ficar entregue à competência da sua facção. Ninguém tem mais dúvida de que se Jader Barbalho não tivesse armado o bote contra Almir Gabriel em 2006, o tucano teria conseguido seu almejado terceiro mandato, mesmo o povo paraense querendo sair do vai-da-valsa dos tucanos, uma música emperrada por 12 anos à base da União pelo Pará, verticalização da produção e outros arremedos verbais de pouco efeito real. Mesmo as alquimias políticas do deputado federal peemedebistas podiam não ter rendido a quebra da hegemonia do PSDB se o adversário da candidata do PT fosse Simão Jatene.


Jatene estava no cargo e, mesmo com sua inapetência para o trabalho duro de colher votos num território com 1,2 milhão de quilômetros quadrados, estava mais credenciado do que Almir Gabriel. Mas o ex-governador não tinha dúvida: a situação foi bem pior em 2002, quando Jatene era traço nas pesquisas e um poste eleitoral, desgastado pelos chás de cadeira que dava nos políticos na ante-sala do seu gabinete de super-secretário do grande chefe durante oito anos. Jatene foi eleito pelo uso desbragado que Almir comandou da máquina oficial, “até o limite da irresponsabilidade” (uma das frases lapidares do PSDB nacional, cunhada por seu maior teórico, o príncipe Fernando Henrique Cardoso).


Logo, tudo que Almir quisesse, Jatene teria que aceitar. Mesmo porque Jatene nunca foi de entrar em bola dividida. Almir se dirigiu para a beirada do campo e mandou anunciar, através de O Liberal, cujos donos foram premiados (e engordados) pela mais promíscua das relações que um governo já manteve com um órgão de comunicação: estava paramentado, com chuteira, calção, camisa e meião para entrar no jogo. E entrou, mas sem a companhia de Jatene.


Enquanto Almir peregrinava pelos comícios, o governador fazia serestas e pescava. Cada um se sentindo com todas as razões para reclamar do comportamento do outro, tratado por traidor. Mas a equação não tinha mesmo solução: sem Almir no páreo, Jatene provavelmente teria sido eleito; se Almir tivesse tipo o apoio que esperava de Jatene, talvez não tivesse sido derrotado por Ana Júlia. Explorando essa cisão e cultivando o meio-de-campo até contra-atacar no final, Jader deu o xeque-mate mexendo a rainha. Não de ouro, embora reluzente: de paus.


A rainha venceu, está no poder e seus acólitos, adstritos à corte mais íntima, garantem que não tem para ninguém em 2010. Comportam-se com um maquiavelismo de nota de rodapé (ou de orelha de livro) e com prática de política estudantil, acrescida do empavonamento que muitos DAS, carros oficiais, aviões executivos e ajudantes de ordem proporcionam. Fizeram e aconteceram – e tudo parecia resolvido, ao menos na verborrágica propaganda oficial. Até novamente Jader Barbalho mexer alguns pauzinhos e mandar dizer através do seu jornal que os “anajulistas” só sabem mesmo é fofocar (quanto a esta capacidade, ninguém duvida).


Jader tratou de liberar o providencial José Priante para elevar os decibéis das críticas, que outros peemedebistas, como o deputado Parsifal Pontes, já vinham fazendo, em coro crescente, barulhento mesmo. Indicando que se Priante for de novo candidato (ao cargo e ao sacrifício, ainda não compensado conforme a conta apresentada), desta vez o PMDB poderá decidir em favor da volta dos tucanos, caso Almir Gabriel se curve, afinal, às determinações da realidade, ou Jatene dê um pequeno empurrão para que ele não saia mais do seu indefinido exílio nas praias de Bertioga, no litoral de São Paulo.


O mais impressionante na política, mesmo que esses movimentos provoquem mais fedor do que ar saudável, é o efeito multiplicador de certos e pequenos atos, quando praticados por profissionais, em contraste com a mise-en-scène de aprendizes de almanaque ou simples teóricos da ciência em tese. Por exemplo: foi de surpresa a reação dominante à entrevista com Chico Ferreira, condenado e preso como o mandante das mortes dos irmãos Novelino, que o Diário do Pará publicou no último domingo.


A rigor, a matéria não trouxe novidade alguma. Não merecia ir para a manchete da capa do jornal. Ainda mais porque não apareceu qualquer referência ao nome de Marcelo Gabriel, o filho mais velho de Almir Gabriel, citado nesta e em outras histórias soturnas – e preso em uma delas. A substituição da biografia pelo prontuário de Marcelo abalou a família e teria sido o último fator a determinar a mudança de domicílio do ex-governador e a liquidação dos seus interesses e bens patrimoniais no Pará.


Sua retirada durou dois ou três meses. Como seu telefone não tocava, ele tratou de ligar para se fazer lembrar e a fazer viagens exploratórias a Belém. Persistiu em seus propósitos políticos, apesar de algumas decepções. Fez da candidatura do senador Mário Couto a arma contra o ex-amigo (e atual desafeto) Simão Jatene, que também não conseguiu voltar ao violão para retomar suas composições. O efeito se fez sentir e romarias começaram a ser organizadas com destino a São Paulo, o epicentro da disputa federal que se avizinha. Almir estava retomando o comando do PSDB paraense?


Uma nova União pelo Pará, se puder ser restabelecida, encontrará uma situação bem mais complicada porque Almir já não é mais o eixo de nada. É, quando muito, um nome e uma legenda. Mas sem a feição imaculada de antes. O estigma da corrupção, que ele usou como pano de fundo para sua pregação irredentista, já não cabe apenas sobre os costados dos seus adversários. Lama salpicou de vez a pretendida alvura do seu emblema. Não foi por outro motivo que ele saiu do estado de indecisão e deu adeus à política (tantos, a esta altura, quanto famosos jogadores de futebol).


Na voragem de voltar ao poder, o ex-governador pode ter criado uma falsa idéia sobre essa mancha. A matéria de capa da edição dominical do jornal de Jader Barbalho pode servir para alertá-lo de que não será assim a partir do momento em que ele chegar ao campo de batalha com seu cavalo branco – que já não é branco; é, no mínimo, malhado. Ele pode se apresentar de novo uniformizado, mas não como o dono da bola. Artilheiro é o que ele não é propriamente. Quando muito, um armador de jogadas, que não gosta de entrar na pequena área. Quase todo tucano é assim. Por definição. É a ontologia do ser, como diria FHC (e ainda rima).


Desta vez, com máquina ou sem ela, parece que todos, neste momento, são candidatos a tudo e a qualquer coisa. Ainda não há favoritos. Nem descartados. As cartas ainda estão sendo arrumadas para o jogo de logo mais, que poderá ser muito disputado. A governadora parece ter-se convencido de que os seus luas-pretas praticam arrufos de maquiavelismo que soam, a ouvidos treinados para óperas de Wagner, como sussurrantes fofocas, no dizer de um entendido nessas tramas.


Elas podem ser eficientes até o momento em que são desarmadas: depois de entregarem os cargos na máquina pública reclamados pelo aliado, os petistas do poder retiram os recursos, sobretudo a verba. Fica-se sem saber exatamente se há a crise por incapacidade dos gestores, porque eles desviaram os recursos ou, independentemente destes dois primeiros fatores, porque, eficientes ou não, corruptos ou não, eles simplesmente não receberam o dinheiro prometido ou necessário para desempenharem suas tarefas. A crise mais recente, a do Hospital Ofir Loyola, exemplifica essa tática da DS petista.


Depois de deixar que esse jogo se desenrolasse, como se o seu desfecho inevitável fosse a batida em retirada do PMDB, Jader desencadeou a contra-ofensiva em todas as direções, de aliados e adversários, como se revolvesse o terreno para que todo tipo de semeadura se tornasse possível, a partir das teias de composições e alianças que podem ser plantadas com base em prêmios e troféus, a serem retirados das estantes do poder, estadual e federal. Enquanto seus liderados atacam o governo e seus protegidos entregam seus cargos, o líder do PMDB ouve, conversa e não mostra suas cartas. Pode ser blefe. Pode estar bem armado (ou armado com qualquer arma, do que dá indício a volta de Hélio Gueiros à página semanal do Diário, para o que der e vier). O jogo começou.


Despejada dos sonhos, a governadora vai a campo, age, fala, promete, conspira, ameaça, faz valer a caneta com a qual assina os atos oficiais e a chave da liberação de verba no cofre, que carrega consigo. Mas está no meio do redemoinho, que apenas começa. Já busca proteção do outro lado, na máquina de comunicação do grupo Liberal e nos adversários de Jader. O que resultará dessa medição de forças não assumida, da qual poderá haver desdobramentos surpreendentes (ou mesmo indesejados), ninguém sabe. A campanha eleitoral de 2010 ainda não está nas ruas, porque a legislação não permite. Mas é como se estivesse.

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