domingo, 17 de maio de 2009

Os dedos, a loucura e a razão

Conceição Freitas
conceicaofreitas.df@diariosassociados.com.br

O carro saiu do posto de gasolina e entrou na minha frente, sem pedir licença. Reduzi a marcha, xinguei um bocado e colei na traseira dele, de raiva, de provocação, correndo risco, querendo briga. De repente, da janela do carro brota um dedo apontado pra cima. Demorei a perceber que era um dedo colado numa mão, num antebraço e num braço anônimos.

Estava num dia de briga. Continuei colada no cara. E ele continuou a apontar o dedo pra mim. Deve ter se cansado de ter de pôr o dedo pra fora do carro e passou a me mandar o dedo pelo retrovisor central. Eu também tenho dedos, dez!, mas não quis fazer uso de nenhum. Provocar eu sei, mas dar o dedo ficou meio risível para uma senhora.

Nos dias que se seguiram, comecei a observar os dedos. Depois da buzina, da insuportável e intolerante buzina, eles são a arma preferida no trânsito, pelo que concluiu a pesquisa empírica que tenho feito, munida de credencial de motorista no Plano Piloto, com viagens constantes às cidades-satélites. Os dedos têm aparecido no trânsito na proporção em que o trânsito nos tem enlouquecido. Em geral, é o pai-de-todos que fica irritado, enquanto o mindinho, seu vizinho, fura-bolo e mata-piolho se encolhem, receosos da confusão que há de vir. Nunca descobri o sentido, ao pé da letra, do dedo médio em riste, mas nem precisa. Nenhum palavrão soa mais agressivo do que o dedo médio em riste numa mão crispada e tesa.

A menina que um dia eu fui ficava entre assustada e fascinada com os moleques da rua que apontavam o dedo uns para os outros. A garotinha se escondia atrás da porta e punha-se a treinar o gesto. Àquela idade, os dedos ainda não tinham inteira autonomia de movimentos. Era preciso segurar os quatro demais dedos com a mão esquerda para liberar o pai-de-todos que se erguia não sem muito esforço muscular.

O que ela fazia era exercitar a linguagem mímica tal qual as garotinhas das cavernas. “O Gesto é anterior à Palavra. Dedos e braços falaram milênios antes da Voz (maiúsculas do autor)”, diz Câmara Cascudo, em História dos nossos gestos. Os gestos foram a primeira forma de comunicação humana. O potiguar que dedicou a vida a descrever hábitos, costumes e manifestações culturais brasileiras cita 333 gestos, incluindo os obscenos. Ensina o mestre que o dedo médio simboliza o falo. “Apontá-lo, isoladamente [significa], agressão, escárnio, impudícia.”

Cascudo descreve 18 gestos obscenos feitos com os dedos e a mão, gestos que simbolizam o ato sexual, a “pederastia”, a masturbação, a impotência, um convite para o sexo — tal o poder dos gestos e dos dedos, do médio em especial. As feiticeiras da Roma Antiga, conta, misturavam as essências mágicas com o dedo médio.

Bem dizia o grego Diógenes: Um dedo separa a loucura da razão. Pelo tanto que eles andam ameaçadores nesse trânsito de deus-nos-acuda, desisti de meu projeto dedo-médio-em-ação.

2 comentários:

Romolo Sao Payo Primo disse...

Segundo contaram-me certa vez na Normandia,o gesto do dedo mostrado como insulto a um desafeto,provem das guerras entre franceses e ingleses.Ao serem capturados, os inimigos tinham seus dedo cortado com o intuito de inutiliza-los como arqueiros.
Quando se encontravam nas formacoes antes dos combates, mostravam o dedo em sinal de, digamos assim, "mete a cara que eu vou te "pherrar".
O que importa mesmo é que o sentido , como qualquer um menos entendedor sabe,continua o mesmo e seus efeitos no humor dos outros,tambem.

Anônimo disse...

retificando :dedos cortados (ops)
RS