José Maria Tomazela
O Estado de São Paulo
Estado que lidera conflitos fundiários no País assiste a amplo recrutamento, enquanto força policial é quase nula
A massa recrutada nas periferias das cidades, em sua maioria gente pobre e desempregada, é preparada para lutar pela terra em quase cem acampamentos ao longo de rodovias como a PA-150, que liga de Marabá, no sudeste, a Xinguara, 250 quilômetros ao sul. Além do MST, sindicatos ligados à Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri) aceleraram a formação de acampamentos.
Grande parte desse contingente está acampada em fazendas invadidas, como as da agropecuária Santa Bárbara, do banqueiro Daniel Dantas. Nesses redutos, nem a polícia entra, a não ser na companhia de ouvidores agrários. Só este ano, o MST tomou 15 fazendas na região. Na Espírito Santo, em Xinguara, uma das fazendas do grupo, seguranças e sem-terra entraram em confronto, no dia 18, deixando oito feridos.
Depois do tiroteio, os sem-terra fizeram uma trincheira com sacos de areia e se mantêm na entrada da propriedade. O risco de novos conflitos é iminente: os fazendeiros, sem poder contar com a força policial, montaram aparatos próprios de segurança. Só a Santa Bárbara tem 58 vigilantes armados.
O efetivo da fazenda é maior que o da Polícia Militar de Xinguara, cidade de 40 mil habitantes que tem pouco mais de 20 policiais, e nem se compara ao contingente do posto da PM no distrito de Gogó da Onça, o mais próximo do conflito. Ali, um sargento e três soldados atendem ocorrências a pé - a única viatura está quebrada. O distrito tem 2,5 mil habitantes e é cercado de acampamentos
O soldado Alex Oeiras diz que não tem autorização para se meter com o MST. "Mexer com eles é bronca brava." Em caso de conflito, a ordem é avisar o comando, em Xinguara. Geralmente é deslocada tropa de Belém. Ele classifica os sem-terra como abusados. "Falam abertamente que, se despejar cem vezes, as cem eles voltam."
ARMAS
As forças mandadas pelo governo estadual após o tiroteio na Espírito Santo continuavam na região na última quinta-feira. São 22 homens do Comando de Missões Especiais da Polícia Militar e 15 da Divisão de Investigação de Operações Especiais da Polícia Civil. Já fizeram buscas nos acampamentos e fazendas, mas só conseguiram apreender uma espingarda velha.
As viaturas enfrentam os buracos da PA-150, destruída pelas chuvas e usada ainda para escoar boiadas. Os Os fazendeiros reclamam da demora do governo em cumprir as reintegrações de posse. Os sem-terra alegam que só os acampados são desarmados, não as milícias.
Na Polícia Federal de Marabá, apenas sete empresas estão cadastradas para dar segurança nas fazendas. Juntas, somam 800 homens. O delegado Antonio Carlos Beabrun Júnior, chefe da PF de Marabá, conta que empresas de outros Estados atuam na região. Mas o número de homens armados é muito maior, por causa da contratação de capangas.
Nas blitze, a PF tem dificuldade para encontrar armas, sempre escondidas. "Já achamos espingardas penduradas em árvore", relata o delegado.
No acampamento Helenira Resende, na Fazenda Cedro, em Marabá, os sem-terra treinam a "resistência camponesa". "A gente aprende como fazer a ocupação e resistir", conta um militante, logo advertido por outro. "Não pode falar, não." Ali ninguém se identifica. Um grupo de oito sem-terra vigia, de uma guarita improvisada, quem chega pela PA-150. Em caso de alerta, como a chegada da polícia ou estranhos, eles disparam morteiros para chamar reforço. Uma vala impede a passagem de carros - só passam as motos dos sem-terra. A entrada da imprensa é proibida. Fotos, mesmo de fora, só com autorização da liderança. Integrantes do MST bloqueiam também a entrada da Fazenda Maria Bonita, outra do grupo de Dantas.
O vaqueiro Raimundo Silva, de 62 anos, entrou meio sem querer na força-tarefa usada pelo MST para invadir a Espírito Santo, no final de fevereiro. Morador de Xinguara, ele atendeu ao chamado de um carro de som que prometia uma cesta básica por mês, mais a terra e, ainda, dinheiro para plantar. Numa mensagem gravada, o locutor dizia que o governo assentaria todas as famílias acampadas. Pai de nove filhos, a maioria "com a vida feita", ele deixou na casa a mulher e um casal de filhos menores e foi até um assentamento do MST. Na noite seguinte, estava na carroceria de um caminhão indo para a sua primeira invasão - "lá eles dizem ocupação", observa.
Quando a casa do funcionário da portaria foi atacada e os moradores obrigados a sair, Silva ficou lá atrás: "Vi criança e pensei no meu caçula de 13 anos." Silva não estava no grupo que enfrentou os seguranças da Espírito Santo, mas ouviu o tiroteio e viu as pessoas chegarem feridas. "Nosso pessoal não tinha armas, só foguetes."
O capataz da fazenda, Luiz Nunes de Araujo, diz que os sem-terra atiraram. Prova de que os acampados têm armas, segundo ele, são os tiros contra os bois.No dia anterior ao conflito, eles tinham matado quatro vacas. Ele mostrou as carcaças. "Só levaram a carne melhor, do traseiro." O capataz conta que os próprios sem-terra avisaram, ironizando, que tinham "ido ao açougue" no pasto. No verso da placa com o nome do acampamento, os sem-terra grafaram "churrascaria".
TERRA VIOLENTA
O Pará é campeão nacional em conflitos no campo. Números divulgados semana passada pela CPT mostram que, ao contrário do resto do País, ali a violência está aumentando. Em 2008, o Estado registrou 245 ocorrências, mais que o dobro do Maranhão, segundo colocado, que teve 101. No ano passado, 46,4% dos casos de violência rural no Brasil ocorreram no Pará - no ano anterior eram 18%.
O número de assassinatos decorrentes desses conflitos no Estado aumentou 160% - de 5 para 13 -, enquanto as prisões dos envolvidos caíram 50%. Desde 1996, quando ocorreu o assassinato de 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás, 205 pessoas foram mortas em disputas pela terra. Entre elas, a freira Doroty Stang, assassinada por fazendeiros em 2005.
Segundo o advogado e membro da CPT José Batista Afonso, a região atraiu investimentos de grandes grupos e vive uma explosão demográfica, incapaz de ser absorvida, engrossando os acampamentos. A líder Maria Raimunda César, da coordenação nacional do MST, disse que o aumento de acampados é consequência da falta de empregos. "O governo precisa acelerar os assentamentos."
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