segunda-feira, 22 de junho de 2009

Jubal Cabral Filho: Uma viagem pelo rio Tapajós


Especial para a edição de aniversário de Santarém

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Era uma viagem de trabalho normal. Ou deveria ter sido.

Corria o ano de 1980.

A partir de Jacareacanga estávamos subindo o rio para realizar um perfil geológico próximo a Barra de São Manuel.

Com a junção dos rios Teles Pires e Juruena nasce ali um daqueles que já foi declamado como o “mais belo do mundo”, com suas águas esverdeadas, de uma transparência impressionante, com uma população pesqueira inigualável. Lá tem início o rio Tapajós.

A partir daquele ponto encontramos praias belíssimas, mas pouco podíamos desfrutar devido a maciça concentração dos famosos piuns – pequenos insetos que picam a pele e deixam o local doloroso e irritado – estávamos com pressa de chegar a um povoado e a viagem era bastante longa.

Mas meus companheiros de “voadeira” sentiam tanta fome quanto eu.

Então, perto do Chacorão (uma cachoeira) resolvemos fazer uma pausa na viagem e pescar. E que fartura! Só “puxando na linha” conseguimos um lauto jantar à base de pescada branca, filhote e pacu. Na verdade sobrou bastante peixe. Tanto que os doamos numa aldeia indígena por perto.

É este um dos pontos que os barcos de grande porte não conseguem passar pelas corredeiras fortíssimas. Só quem conhece muito bem os canais naturais consegue navegar com segurança.

Anos depois, já apoiando a construção de melhorias sanitárias (poços profundos e instalações sanitárias) em aldeias indígenas navegávamos num barco de ferro chamado “Karu Daibi” - nome dado pelos padres da Missão São Francisco em homenagem a um guerreiro munduruku, que teve a família destruída e se vingou derrotando todos os seus adversários – e os pilotos eram indígenas que conheciam as corredeiras como a palma de suas mãos, além de excelentes pescadores. Nestas viagens não nos faltavam os peixes, tartarugas e tracajás para nosso prazer gastronômico.

Como existiam outras corredeiras que apresentam dificuldade de navegação (e é onde a Eletrobrás deseja construir as hidrelétricas) foi feito ramais rodoviários para facilitar o abastecimento de mercadorias. Em um deles foi construído um até uma localidade às margens do Tapajós (que acabou recebendo o nome de Ramal) para que os carros trouxessem os gêneros alimentícios até lá e que passavam aos barcos que subiam o Tapajós para abastecer as comunidades.

E continuamos a descer o belo Tapajós, sempre parando para admirar as praias de areias brancas ou tomando banho nas suas águas límpidas.

Essa prerrogativa só durou até chegarmos aos rios onde a atividade garimpeira era intensa. Os rios que deságuam no Tapajós trazem uma quantidade imensa de sedimentos em suspensão que enlameiam as praias e a cor do belo rio passa a ser diferente.

Mas, como a vida pulsa de forma vibrante no rio continuamos a ter a vida nele. E os peixes se reproduzindo e alimentando as comunidades. Uma variedade de peixes e de animais silvestres que vivem de sua vida. Tartarugas, tracajás, jacarés, lontras, onças de todas as pintas e sem elas, veados, anambus, papagaios, araras e pessoas tiram seu sustento com o que existe de belo e saboroso neste rio.

O Tapajós é belo, mas é mal cuidado em toda a sua extensão. Serve de depósito de lixo, de depósito de sedimentos garimpeiros, de águas servidas das cidades ao longo de seu curso, mas continua abastecendo seus moradores de vida. Muita vida. Dele é tirado o sustento de populações ribeirinhas e das grandes cidades, com o abastecimento de peixes e de água.

Na foz se encontra com o poderoso Amazonas, que também banha Santarém, que sofre as conseqüências de excesso de chuvas na região e da potência do Amazonas, cujas águas são mais densas e com correntezas mais fortes, o que impede a passagem e fluidez da vazante atual, empurrando as águas do Tapajós para a cidade e provocando inundações e prejuízos para a população.

Mas, a cidade é valente. Seus habitantes mais valentes ainda. Tal qual os Tapajó o foram. E não seremos dizimados pelas agressões naturais ou artificiais, pois queremos e iremos aprender a conviver com a Natureza, tirando dela e do rio Tapajós as formas necessárias para a subsistência de todos.

Por isso festejamos mais um ano de vida para todos nós, nascidos ou adotados por Santarém.

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