sábado, 6 de junho de 2009

Lúcio Flávio Pinto; Hidrelétricas: No Araguaia, não. No Tapajós, sim?

No mês passado, através de duas iniciativas, não se sabe se casuais ou concatenadas, o governo federal resolveu suspender o uso hidrelétrico do rio Araguaia, que é de transição do Planalto Central para a Amazônia, e efetivá-lo em um dos rios mais característicos e bonitos da região, o Tapajós. Enquanto retirava o velho projeto da usina de Santa Isabel da pauta da 66ª reunião da Câmara Técnica de Análise de Projetos do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que se reuniu no dia 18, em Brasília, anunciou sua intenção de construir sete barragens no Tapajós, com potência possível de 14,2 mil megawatts – praticamente uma nova Itaipu.

Santa Isabel já havia sido descartada na década de 80 porque inundava uma área maior do que a do reservatório de Tucuruí para produzir 15% da geração da usina do Tocantins, no qual o Araguaia desemboca. É um projeto sem viabilidade ambiental. O governo, usando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) como porta-voz, teria merecido todos os elogios se arquivasse em definitivo o projeto por esse aspecto extremamente negativo – e incorrigível – da sua concepção. Proclamaria o Araguaia como o primeiro grande rio intocável do país, por seu valor paisagístico, turístico, ecológico, social e cultural. Afinal, a hidrelétrica de Santa Isabel afetaria diretamente áreas de proteção ambiental e unidades de conservação, como o Parque Estadual Serra dos Martírios-Andorinhas, a APA São Geraldo do Araguaia e a APA Lago de Santa Isabel, localizadas em área considerada de alta prioridade para a proteção da biodiversidade. Também atingiria 131 cavernas naturais e 113 sítios arqueológicos.


Ao invés disso, o arquivamento será de 10 anos, não só em função desses complicadores ambientais, mas porque é nessa região que estariam os corpos dos 58 militantes do Partido Comunista do Brasil mortos pelo Exército durante a guerrilha do Araguaia e que por lá foram enterrados clandestinamente. Ao congelar o projeto, o governo queria ter tempo para encontrar e exumar os restos mortais dos guerrilheiros, que, de outro modo, ficariam submersos no lago da usina.


O argumento pode levar a pensar que se o trabalho de busca for incrementado e tiver êxito, o projeto poderá ser ressuscitado e se viabilizar, sem os problemas que o devolveram à prateleira de onde foi retirado por um consórcio formado pela Vale, Alcoa, BHP Billiton Metais, Camargo Corrêa e Votorantim. Na verdade, a usina é para sair de cogitação para sempre, por seu saldo ambiental negativo. Se fosse viável de fato, a existência dos corpos dos guerrilheiros teria que receber um tratamento urgente para não servir de impedimento à obra.

Enquanto isso, a mesma Aneel aprovava os estudos do inventário hidrelétrico do Tapajós, conduzidos pela estatal Eletronorte e a privada Construtora Camargo Corrêa, que andam juntas há quase num quarto de século na Amazônia, desde a construção de Tucuruí. As duas empresas não se limitaram a apresentar um prospecto envelhecido, com o gosto de coisa reaquecida. Ao mesmo tempo em que conseguiam o endosso oficial para mais uma etapa do aproveitamento do novo rio, cercavam o anúncio com uma moldura mais atraente.

Pelo manual de inventário dos rios brasileiros em vigor, o melhor local para construir a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, dentre as 13 alternativas estudadas até o ano passado, quando o estudo foi concluído e entregue à Aneel, seria próximo a Itaituba. Nesse local, uma barragem com 80 metros de altura podia gerar até 11 mil megawatts. Mas como o represamento das águas do rio Tapajós nesse ponto iria submergir parte do Parque Nacional da Amazônia, que possui um milhão de hectares e tem valor excepcional pela enorme biodiversidade de mamíferos que abriga, a Eletronorte anunciou que dividiria a usina em dois aproveitamentos, reduzindo significativamente a área alagada. “Perdemos capacidade energética, mas ganhamos um aproveitamento econômico e ambientalmente viável”, disse o superintendente da estatal, Luiz Fernando Rufato, à Corrente Contínua, revista da própria empresa. A declaração foi publicada na última edição, de março/abril.

Mas em maio o retalhamento já era bem maior: não mais duas barragens, mas sete. Três delas seriam no Tapajós, com uma potência somada de 11,7 mil MW e inundando 1.984 quilômetros quadrados. As outras quatro seriam no Jamanxim, que é o principal afluente no Pará, com potência de quase 2,5 mil MW e pouco mais de mil quilômetros quadrados de inundação. Os sete reservatórios conteriam a mesma área do lago de Tucuruí, de pouco mais de três mil km2.

Talvez para desviar o foco dessas informações, a Eletronorte anunciou que utilizará o conceito tecnológico das plataformas flutuantes, com as quais é feita a exploração do petróleo sob lâmina d’água no mar, inclusive de águas profundas, adaptando-as à construção de barragens no rio. Haveria pouca intervenção na floresta porque os operários seriam lançados de helicóptero diretamente nessas plataformas para participar da obra, sem que esse tipo de operação exija base em terra, como até aqui tem acontecido.

Se tal método for possível, ótimo. Mas antes de discuti-lo, é preciso considerar o projeto propriamente dito do aproveitamento hidrelétrico. E o que foi anunciado para o Tapajós/Jamanxim é quase tão ruim quanto o que se queria fazer no Araguaia. Por isso, antes de qualquer intervenção na área, a Eletronorte tem que submeter suas idéias à opinião pública. Com o que já mostrou, está reprovada.

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