É brutal o contraste entre a quantidade de riquezas extraídas do Pará e a pobreza em que fica a sua população. Na avaliação do desempenho dos mais pobres do Brasil, o Pará só está melhor do que o Amazonas, em 26º lugar. Por quê?
O Pará é o segundo Estado mais pobre do Brasil. Só perde para o Amazonas, que, entretanto, pela mensuração dos índices quantitativos, o supera. O terceiro Estado mais pobre é o vizinho Maranhão, que é, ao mesmo tempo, Amazônia Legal e Nordeste (e é o único dos três que já deu presidente da república, o atual senador José Sarney). O Pará é tão pobre assim porque seu IDF (Índice de Desenvolvimento Familiar), o mais recente dos medidores sociais criados no Brasil, é de 0,503, numa escala que vai de 0 (a pior situação) até um (a melhor situação). O IDF do Amazonas é de 0,502 e o do Maranhão é de 0,515. O Estado amazônico mais pobre a seguir, na 5ª pior posição, é o Amapá, que tem o índice 0,517. O Estado menos pobre da Amazônia é o Acre, com 0,565, no 18º lugar. O líder no Brasil, também por essa perspectiva, é São Paulo (0,592).
Se a situação dos Estados é preocupante, já que nenhum deles alcança 0,600, a dos municípios é dramática. Entre os cinco piores, em uma lista liderada por Jordão, no Acre, e Uiramutã, em Roraima (abrangido pela reserva Raposa Serra do Sol, que os arrozeiros queriam continuar a ocupar ilegalmente, sob a alegação de que desenvolviam o local), há dois municípios paraenses, situados na sofrida ilha de Marajó e nos furos da foz do Amazonas: Anajás, em terceiro, e Melgaço, em quarto, ambos com 0,37.
Nenhuma das capitais brasileiras figura entre os 500 municípios com piores IDFs, mas Macapá e Porto Velho estão nos últimos lugares dentre elas, com menos da metade do IDF possível (ou 0,48). Belém vem logo a seguir, com 0,49, na companhia de Manaus e Rio Branco. Ou seja: todas as capitais da Amazônia são vítimas do processo de ocupação dos seus Estados. Com a agravante, no caso de Belém, de o seu IDF estar abaixo da média estadual. Assim, se o interior vai mal, a capital vai pior.
O IDF foi montado pelo Ministério do Desenvolvimento Social com base num cadastro único, que reúne informações sobre as famílias assistidas pelo programa Bolsa-Família, que atende 55 milhões de famílias. O índice é formado por seis itens: vulnerabilidade familiar, escolaridade, acesso ao trabalho, renda, desenvolvimento infantil e condições de habitação. Como foi alimentado com dados acumulados até o ano passado, revela uma verdade que salta aos olhos: o assistencialismo do governo, através do Bolsa-Família, apenas renova a pobreza, sem eliminá-la. A conclusão já podia ser antecipada quando o programa começou, de forma tênue, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, mas agora essa verdade pode ser demonstrada numericamente. Para a Amazônia, significa que a região continua a ser a prima pobre do país, apesar de toda a conversa fiada em contrário. E o Pará segue crescendo como rabo de cavalo (para baixo), a despeito da propaganda de tucanos e petistas.
Com a bolsa, as famílias pobres ou passaram a ter acesso a um rendimento, que até então não possuíam, ou o incrementaram. Poderão sobreviver com mais recursos do que antes. Mas não evoluirão na escadaria social nem terão acesso a atividades econômicas perenes. O programa assistencialista não as prepara para disputar lugares na economia formal. Como os setores econômicos mais dinâmicos no Pará estão ligados à exportação, que tem pouco ou nenhum efeito germinativo local, o subsídio que o governo federal concede aos mais pobres se espraia, porque a clientela que fica à margem dos “grandes projetos” é cada vez maior. Mas sem iniciativas posteriores à mera concessão da bolsa, os beneficiários não conseguem transpor o muro da exclusão. Os mais pobres talvez não morram de fome com a ajuda oficial e até passem a se sentir satisfeitos com a melhoria proporcionada pelo novo “pai dos pobres”, mas continuarão achatados no pé da pirâmide social, como uma casta segregada pelo favor do governo.
Não surpreende o contraste brutal que se cristaliza no Pará: o Estado se empobrece enquanto incrementa seu peso no comércio exterior brasileiro. É o efeito maligno da especialização que lhe foi imposta: ser um exportador de produtos não acabados, da energia bruta ao alumínio, que só multiplicam seus efeitos no mercado consumidor. Como a esmagadora maioria dos consumidores desses bens está fora do Estado ou além-mar, a cadeia produtiva não cresce, deixando de gerar internamente a renda e o emprego exigidos pelo crescimento demográfico, sobretudo via imigração. Para piorar a mecânica, a exportação é desonerada do principal imposto estadual, o ICMS, o que compromete a capacidade de investimento do governo local.
Uma conseqüência política dessa constatação é o empenho de muitos grupos sociais em ampliar a federalização no Estado, a partir da premissa de que Brasília é mais eficiente, mais sensível e menos comprometida com as estruturas locais de poder do que Belém (ou Manaus, ou Rio Branco). No entanto, esse raciocínio, que se expressa através de vários discursos, desde a gestão fundiária até as políticas ambientais, se choca com uma constatação ainda mais evidente: o modelo econômico que gera os desequilíbrios, as distorções e os desastres sociais e ambientais na Amazônia foi criado ou avalizado pelo governo federal. A federalização acaba proporcionando à raposa cuidar do galinheiro, com as vestes do bom pastor.
São tantas as boas intenções, mas o resultado é um só, por trás das quantidades fabulosas: o povo fica cada vez mais pobre. Justamente porque o Pará, tendo a 9ª maior população do Brasil, é o 2º Estado que mais dólares líquidos proporciona à federação nacional, o 4º maior exportador, o 3º maior transferidor de energia bruta, o 2º maior minerador e o 16º em desenvolvimento humano, o 21º em desenvolvimento da juventude e, agora, o 26º em desenvolvimento familiar, neste último índice abaixo de todos os Estados da região que era considerada a mais pobre do país, o Nordeste. Abaixo até do Maranhão, devastado pela oligarquia dos Sarney.
Já Belém é a 74ª pior dentre 79 cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes em matéria de infraestestrutura básica, segundo o levantamento feito pelo Instituto Trata Brasil, com base em dados reunidos de 2003 até 2007, divulgados no mês passado, com exclusividade, pela revista Exame, da Editora Abril. A capital paraense, com 6% de cobertura de rede de esgoto e 1% de tratamento de esgoto, é a pior capital do país nesses quesitos. Ficou à frente apenas de Cariacica, no Espírito Santo, e Porto Velho, a capital de Rondônia, que tem metade da rede de esgoto e nada do seu tratamento. A primeira colocada é Franca, em São Paulo, com 94% e 77%, respectivamente.
Brasília, com a ajuda dos péssimos habitantes amazônicos e dos terríveis líderes paraenses, em particular, está conseguindo o que parecia impossível: acabar com o sonho da Amazônia antes de acabar com a própria Amazônia.
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