Claudio Abramo
Anda causando celeuma a decisão de Petrobras de publicar, num blog, as perguntas que lhe são formuladas por escrito pela imprensa, bem como as respostas dadas.
O endereço do tal blog é http://petrobrasfatosedados.wordpress.com.
A justificativa que a empresa apresenta para a iniciativa está publicada aqui. Destacam-se os seguintes pontos:
A relação entre a Petrobras e os veículos de comunicação que a interpelam é essencialmente pública.
A publicação das respostas no blog, antes da decisão editorial de o jornal publicar ou não a reportagem em questão, reforça o objetivo da Petrobras de alcançar o máximo de transparência possível no relacionamento com seus públicos de interesse.
A agilidade no tratamento e no encaminhamento das respostas ao sempre legítimo questionamento da imprensa demonstra também o compromisso da Cia em prestar todos os esclarecimentos a ela solicitados.
A Petrobras tem liberdade para publicar a íntegra das respostas que fornece aos veículos de comunicação porque é fonte e detentora dos dados disponibilizados.
Os jornais não gostaram. A Associação Nacional dos Jornais, que reúne as empresas proprietárias desses órgãos, soltou ontem uma nota em que afirma:
Numa canhestra tentativa de intimidar jornais e jornalistas, a empresa criou um blog no qual divulga as perguntas enviadas à sua assessoria de imprensa pelos jornalistas antes mesmo de publicadas as matérias às quais se referem, numa inaceitável quebra da confidencialidade que deve orientar a relação entre jornalistas e suas fontes.
A atitude da Petrobras estimula uma porção de observações.
1. Não há problemas com as justificativas da empresa.
2. Não procede a reclamação da ANJ, de que a Petrobras teria rompido algum compromisso de confidencialidade entre a fonte e o veículo de imprensa. Esse compromisso nunca existiu. O que existe é o princípio de resguardo da fonte por parte de jornalistas. Não existe dever subjetivo da fonte de resguardar o jornalista. As fontes não estão presas à confidencialidade que a ANJ menciona.
3. Qualquer pessoa que já tenha sido fonte da imprensa sabe que entre o que se informa (por declaração, por escrito ou num relatório formal) a um jornalista e aquilo que sai publicado vai uma distância. Quando o repórter é um profissional correto, e quando o veículo em que trabalha também é, essa distância é geralmente pouco relevante. No entanto, em particular na imprensa escrita e nos noticiários da televisão, o processo de edição, em que se corta muito do que a fonte informou, pode levar a citações fora de contexto ou incompletas. (Já quando jornalista e/ou veículo são desonestos, o que sai publicado é qualquer coisa.) Assim, de modo a resguardar aquilo que se informou à imprensa, a iniciativa de publicar perguntas e respostas pode contribuir para a melhoria das práticas profissionais da área.
4. Na prática, o que a Petrobras passou a fazer tem consequências sobre a capacidade de órgãos da imprensa “furarem” seus concorrentes. Se a Petrobras publica as perguntas formuladas por um jornal assim que envia as respostas, bastará ao jornal concorrente consultar sistematicamente o blog da Petrobras para não ser “furado”. Isso tende a uniformizar o noticiário e a reduzir o estímulo para que os veículos busquem levantar assuntos inéditos. Quem perde com isso é o leitor.
5. Ao tomar a iniciativa que tomou, a Petrobras não disse o que fará em relação às informações que passa com exclusividade a jornalistas por sua própria iniciativa. O princípio deveria ser o mesmo — se a ideia é comunicar-se com o público sem a intermediação dos veículos de comunicação, então essas notícias “plantadas” precisariam também ser divulgadas no blog da empresa assim que formuladas por sua assessoria de imprensa.
6. De toda forma, ficará fácil verificar se a empresa procurará resguardar essas informações que distribui com exclusividade, pois se algo for publicado em algum veículo e a notícia disso não tiver sido divulgada previamente pela Petrobras, estará configurado o uso de dois pesos e duas medidas.
7. Em particular, é bom ver o que acontecerá com as informações prestadas pela Petrobras a veículos e agências noticiosas internacionais. Será mesmo que a empresa vai “furar” a Reuters, a Associated Press, o Financial Times, a Economist? Não é de se crer.
8. Embora pareça claro que a iniciativa da Petrobras vem como reação à CPI montada para investigar as suas operações, a tensão criada com os jornais não deverá persistir, pois não interessa à própria Petrobras. Por mais que a política de comunicação do governo federal tenha se voltado preferencialmente aos pequenos veículos locais e regionais, a Petrobras não pode prescindir da chamada “grande imprensa”, porque os investidores do mercado não lêem o Democrata de Xixirica da Serra, mas o Globo, o Estadão, a Folha, o Valor.
9. Por isso, é provável que a empresa recue da decisão de divulgar as perguntas e as respostas antes que os veículos publiquem as reportagens correspondentes.
10. Contudo, em favor da melhoria da qualidade da imprensa, a Petrobras deveria continuar a fazê-lo após os veículos terem publicado as suas histórias.
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