Lúcio Flávio Pinto
Em 1987 foi registrado na Amazônia o maior desmatamento num único ano em toda história da humanidade. Atingiu 80 mil quilômetros quadrados de mata nativa densa, quatro vezes mais do que a média da década de 90, que também foi um período de fogo intenso na floresta. O cálculo desse desmatamento foi feito pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), de São José dos Campos (São Paulo), com base em imagens de satélite. No entanto, o registro foi apagado da história da instituição e da própria história do país.
Na quinzena passada o Inpe anunciou que o desmatamento entre agosto de 2008 e julho deste ano, de sete mil quilômetros quadrados, foi o menor desde 1988, “quando o Inpe começou a fazer o levantamento”. A memória sobre o terrível ano de 1987 foi oficialmente apagada. Uma hipótese seria a de que o instituto considera aquele cálculo errado, sem validade científica, como alguns alegaram na ocasião, e por isso é melhor desconsiderá-lo. Ou trata-se de mais um revisionismo utilitário, que coloca no armário ou debaixo do tapete fato incômodo, à custa de uma violação da verdade histórica?
De fato, a metodologia utilizada para a apuração do desmatamento de 1987 apresentava falhas, tanto na margem de erro exagerada quanto no tipo de imagem utilizada, de um satélite meteorológico (falha admitida e, por isso mesmo, compensada na excepcional margem de erro, de 30%). Mas havia um fato concreto a dar credibilidade aos números: os proprietários e grileiros de terra desmataram loucamente para criar benfeitoria e se imunizar contra a ameaça de desapropriação de seus imóveis – tornados produtivos através da manobra – na definição do capítulo sobre reforma agrária na Assembléia Nacional Constituinte, que preparava a carta magna, aprovada no ano seguinte. Numa ordem legal e administrativa delimitada pelo conceito de “terra nua” como elemento de valor fundiário, desmatar era o recurso acessível, mesmo que irracional.
A divulgação do relatório do Inpe sobre o desmatamento de 1987 provocou muita celeuma na ocasião, mas depois parece ter havido amnésia coletiva. Dela se valem os que decidiram apagar esse capítulo da terrível história da ocupação da Amazônia, da mesma maneira como atuam os que induzem um entendimento obtuso sobre os fatos novos. Ao anunciar o desmatamento de 2007/2008, o Inpe incensou as loas sobre a redução da destruição de 13 mil km2 (como aconteceu na temporada de fogo de 2006/2007) para 7 mil km2 na última apuração.
A queda, de quase 50%, merece mesmo ser recebida com certo alívio. Mas também precisa ser relacionada ao total acumulado de destruição em cada momento para que se apure seu significado relativo. E, relativamente, a redução nada alivia porque o universo destruído é crescente, sem mudança de tendência. São mais de 700 mil quilômetros quadrados de floresta postos abaixo, três vezes o tamanho do Estado de São Paulo.
É possível que se algum dia for alcançado o desmatamento zero, não haja o que comemorar. Por já não haver mais floresta nativa densa para desmatar.
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