Lúcio Flávio Pinto
Em 40 anos, completados neste ano, Philip Roth escreveu 30 livros. Aos 76 anos, escreve a intervalos cada vez mais curtos. Alega que é porque não poderia continuar a viver sem trabalhar. Sinal de que espera viver por mais tempo do que a média, sempre produtivo. Nem por isso cai a qualidade do seu trabalho literário. Muito pelo contrário. Ele expressa, como poucos, a vitalidade recente da literatura dos Estados Unidos, que a projetou para o topo mundial. Nunca ela chegou tão alto.
Era de se esperar que o Prêmio Nobel de Literatura fosse para Roth. A data, dos 40 anos de fecunda criação literária, era propícia para o reconhecimento. Mas a academia sueca preferiu uma escritora água-com-açucar, virando as costas para uma geração dos mais brilhantes escritores que os EUA já teve. Geração que vai se desfazendo, sempre à margem da maior premiação mundial ao engenho humano, o próprio Nobel, encalacrado nos seus males de origem (fundos destinados pelo inventor da dinamite). O próprio Roth, em entrevista ao Wall Street Journal, lembra que já se foram três gigantes nos últimos dois anos: Saul Bellow, Norman Mailer e John Updike. Na linha de frente, porém, ainda estão ativos primus inter pares, como Don DeLillo, Ed Doctorow, Reynolds Price, Joyce Carol Oates e Toni Morrison. O fato de nenhum deles ter sido lembrado até agora só depõe contra os selecionadores do Nobel.
Há um trecho da entrevista que me provocou boas lembranças de Nova York, onde o escritor mora, à parte das considerações sobre o terceiro livro de novelas de Roth, recém-lançado, de uma tetralogia a ser concluída no próximo ano (a obra já está escrita, à espera da publicação). É quando ele se refere à possibilidade de adquirir livros valiosos por baixo preço através de sites de “sebos”, mas reconhece que o melhor mesmo é visitar essas livrarias fisicamente, como ele fazia quando ia à Quarta Avenida. Na Modern Library, podiam-se comprar livros comuns por 25 centavos de dólar ou “os gigantes” por US$ 0,75, na década de 50.
Nas minhas poucas visitas aos Estados Unidos, andei por todos os “sebos” que meu tempo de estadia me permitia visitar, inclusive na 4ª Avenida. Não havia (e creio que ainda não há) mais baratos do que eles no mundo, nem mais deslumbrantemente ricos de material, ou ao menos pelos lugares que conheci ao redor do mundo, sempre estacionando nos “sebos”. No último giro pelos EUA, a convite do governo americano, em 1990, recebi uma verba para aquisição de livros. Gastei-a e a excedi em muito no circuito que fiz, incluindo vários Estados (conforme eu solicitara). Por onde passava, eu despachava pelo legendário correio os volumes formados pelas compras para Washington, de onde uma pessoa se encarregou de enviar – por via marítima, a mais barata – para Belém. Ao final, foram mais de 300 livros, 90% deles comprados em “sebos”, alguns deles surpreendentes, como o Powell’s, em Portland, com mais de um milhão de volumes em oferta.
No regresso, a programação incluía um jantar de despedida na capital americana. O encarregado da agenda cultural fez questão de aparecer no encontro para me conhecer. Eu era um acontecimento insólito para ele, há muitos anos trabalhando com visitantes oficiais: fora o primeiro que utilizara a verba para aquisição de livros, conforme pudera comprovar ao trocar os volumes dos embrulhos originais para os novos pacotes (e certamente conferindo os tipos de livros que eu comprara). Fui surpreendido por aquela demonstração de interesse e de reconhecimento, um dos momentos mais reconfortadores da viagem para um bibliófilo. Como me foi fonte de prazer a leitura da entrevista de Roth ao WSJ. Ler é viver pela segunda vez para quem vive e lê.
Nenhum comentário:
Postar um comentário