sábado, 12 de dezembro de 2009

Companheiros musicais

Lúcio Flávio Pinto:

Um amigo mandou um vídeo para que eu me emocionasse e eu realmente me emocionei – e muito. Era a apresentação de Charles Aznavour num programa de auditório na França. Ele interpreta a versão francesa do já clássico Yesterday I was young, acompanhado por duas netas, lindas e afinadas. A música é um balanço melancólico e corajoso do que faz um artista e uma pessoa. Saldo difícil de definir para ele, que, ao final, tão emocionado quanto seus admiradores, contou com o apoio das netas. Mas não para nós. Com sua voz grave, equilibrada, quase monocórdia, Aznavour, mesmo sendo um imigrante de primeira geração, da Armênia, nos trouxe a França e nos levou à sua cultura musical e ao modo de ser parisiense. Foi, para várias gerações, o verdadeiro chanssonner, que nos fez chorar, rir, meditar e se desligar do mundo para penetrar nos sentimentos que a música provoca – evocativos, provocativos, de imanência.

Cheguei ao final do vídeo com outro sentimento, o de gratidão profunda por esse cantor-compositor, que, aos 85 anos, nos acompanha há tantos anos e continua sempre ao nosso lado, sem perder a atualidade, como convém à melhor cultura, que ele personificou com suas canções. E partilhando sua felicidade pela família que formou, da qual surgem essas duas netas maravilhosas para reforçar suas rememorações e lamentações, mas também dar-lhe continuidade, imortalizando-o.

Grato aos amigos que suprem minha deficiência de internauta, emoção maior me reservou outro vídeo. Era Rita Pavone interpretando Fortíssimo, aos 63 anos. A memória me lançou de volta a uma manhã na loja Dudisco, na rua 28 de Setembro, minha fonte de discos no início dos anos 60. Nessa época, eu estava sempre atualizado. Mal surgiu Datemi un martello, lá vinha eu para o Largo da Trindade munido do compacto e municiando nossa vasta eletrola Telefunken. Era um sábado luminoso, propício para audições sem fim da música, que era como um hino de convocação para o twist e o o surf, mas também para dançar colado, romanticamente.

Rita Pavone era só quatro anos mais velha. Podia ser considerada “da turma”. Mas nos surpreendeu pela sua versatilidade: do rock à canção italiana, estava sempre afinadíssima. Subia ou descia na escala sem qualquer dificuldade. Gritava e sussurrava sem perder a harmonia. Recursos vocais ela tinha. E uma intimidade rara com a câmera de televisão e o palco, desde adolescente. Foi paixão imediata. O disco quase furou. E mal soava seu canto de alerta, pulávamos para a pista de dança e por lá ficávamos enquanto sua voz ressoasse, dançando soltos ou agarradinhos à partner, ou namorada, ou promessa de conquista. E Rita nos oferecia ainda uma rara alternativa européia, especificamente italiana, ao domínio americano na “música jovem”.

Crescemos ouvindo Rita, presença constante na nossa formação. Mas as circunstâncias da vida nos distanciaram. Voltei a vê-la nesse vídeo, no qual canta Fortíssimo. O tempo não lhe fez mal algum. Não tem mais aquele jeito de moleca travessa da adolescência. As sardas desapareceram. Mas é ainda mais cantora e uma mulher bonita, a beleza da alta maturidade, sem seqüelas visíveis da idade. A intérprete vibrante dos 63 anos é muito melhor do que todas as outras versões anteriores. Faz-nos pensar que não envelhecemos. Quase nos faz crer que somos eternos. Mesmo pelos momentos de duração da música – e da lembrança.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lucio,
Cheguei ao final do texto com outro sentimento, o de gratidão profunda por esse escritor-jornalista-cientista, que, aos 59 anos, nos acompanha há tantos anos e continua sempre ao nosso lado, sem perder a atualidade, como convém à melhor cultura, que ele personificou com seus textos.
Devolvo suas linhas,"maquiladas" com o deleite de ler o que voce "desenhou" escrevendo.
Transportei-me para o bairro do Reduto,nos fins dos anos 60,na casa da Vo, na Benjamim Constant.
Abs.
R.Sampaio