Miguel Oliveira
Editor-chefe
Em tempos de vacas magras, nossa vida familiar era regrada, no início dos anos setenta, em Santarém. O esforço sobrenatural de minha mãe Sarita, que começou a vender açaí amassando os frutos no alguidar para depois peneirá-lo, para complementar nossa renda familiar, tinha um objetivo: permitir que tivéssemos uma educação de qualidade.
Contando os trocados, economizando aqui e acolá, mamãe quase não saia de casa, a não ser para ir à feira, todas as manhãs, à exceção de domingo, que ela reservava para ir ao velho estádio Aderbal Caetano Corrêa, em dia de jogos do São Raimundo. Além de cultivar o hábito de ouvir rádio - costume que herdei, além de torcer pelo Pantera Negra-, o mundo dela se resumia aos filhos, que ela sonhava, um dia, que todos seriam 'doutores'. Sonho realizado plenamente, antes de deixar a vida terrena, em 1993.
Sem tempo para perceber o mundo ao seu derredor, mamãe levava alguns sustos com situações inusitadas provocadas pelos meus irmãos. Eu e Airton, que hoje é chefe do escritório do DNPM, em Porto Velho(RO), somos testemunhas de alguns frêmitos que mamãe sentiu.
Airton, ou 'Tapioca', como a maioria dos amigos de infância se lembra dele, tinha dois camaradas. Um, no tempo de ginásio, para jogar futebol, era Everadinho, este mesmo que vocês estão pensando, o hoje todo-poderoso secretário municipal de planejamento. No científico do CDA, Tapioca não dispensava a companhia de Edílson Moura no estudo, hoje engenheiro civil do grupo Líder, de Belém.
Certo dia, quando estava se encerrando no rádio "A Voz do Brasil", ouviu-se a buzina de um automóvel parado à porta de nossa casa, na rua do Imperador. Ato contínuo, aquele toc-toc na velha porta de madeira. Pela fresta, mamãe enxergou um carro luxuoso, preto reluzente.
- O que foi que ao aconteceu? Pensou, logo, minha mãe no pior.
Ao ganhar à calçada, lá estava ele, de cigarro na ponta dos dedos: o prefeito Everaldo Martins, amparado pela porta de seu automóvel Itamaraty.
- Boa noite dona Sarita. Posso entrar? Perguntou o prefeito.
- É melhor não, respondeu minha mãe, de bate-pronto.
- O que o senhor deseja?
Dr. Everaldo era amigo de meu pai Petronilio, que chefiava o escritório local do então Departamento Nacional de Endemias Rurais(DNERu), mas nunca tinha nos visitado. Deveria haver um motivo muito importante para aquela visita fora de hora.
- Tenho uma reclamação a lhe fazer. Seu filho bateu no meu filho, no jogo de bola, hoje à tarde, no campinho da praça São Sebastião. Eu exijo providências da senhora.
Na sala, com o ouvido colado à porta, estava Airton, já antevendo que naquela noite iria 'dormir de couro quente', uma sutil expressão que significa levar surra dos pais.
- E eu pensei que era outra coisa, senhor prefeito, resmungou minha mãe. O senhor vem aqui nesse carro bonito, só para me participar que meu filho bateu no seu? Não precisava tanto. Pode deixar que esse moleque me paga.
Até hoje, Airton se lembra dessas boas lambadas de galho de cuieira que levou para não mais brigar na rua.
Viajando no tempo, dou um salto imaginário para contar outro susto de minha mãe, este um pouco mais grave e que quase tem desfecho trágico.
Airton e Edílson estudavam juntos. Pela manhã, era comum os dois se prepararem para as provas do Dom Amando. Até então, minha mãe só se dava conta da presença do colega de meu irmão quando ia à sala espiar a rua pela janela. Mas numa sexta-feira, foi diferente.
Naquele dia, mamãe ouviu, além da buzina, o som da sirene estridente de um veículo. Correu para a porta e deparou-se com um carro-funerário, parado em frente de casa.
Um dos meus filhos morreu! Desesperou-se dona Sarita.
- O 'Tapioca' está? Perguntou Edílson com um riso cínico no rosto.
- Quem morreu, rapaz? Me diga logo, atalhou mamãe.
- Ninguém morreu dona Sarita, respondeu Edílson, já preocupado com as feições suadas e pálidas de mamãe, na iminência de fazer um infarto.
- Vim só estudar. Esse carro é da funerária do meu irmão Manoel e ele me emprestou para vir até aqui, tentou-se explicar Edílson.
Desde aquele dia, Edílson era obrigado a estacionar seu carro-funerário bem longe de casa.
Foi a condição imposta por dona Sarita para que ele pudesse continuar estudando junto com
'Tapioca'.
Editor-chefe
Em tempos de vacas magras, nossa vida familiar era regrada, no início dos anos setenta, em Santarém. O esforço sobrenatural de minha mãe Sarita, que começou a vender açaí amassando os frutos no alguidar para depois peneirá-lo, para complementar nossa renda familiar, tinha um objetivo: permitir que tivéssemos uma educação de qualidade.
Contando os trocados, economizando aqui e acolá, mamãe quase não saia de casa, a não ser para ir à feira, todas as manhãs, à exceção de domingo, que ela reservava para ir ao velho estádio Aderbal Caetano Corrêa, em dia de jogos do São Raimundo. Além de cultivar o hábito de ouvir rádio - costume que herdei, além de torcer pelo Pantera Negra-, o mundo dela se resumia aos filhos, que ela sonhava, um dia, que todos seriam 'doutores'. Sonho realizado plenamente, antes de deixar a vida terrena, em 1993.
Sem tempo para perceber o mundo ao seu derredor, mamãe levava alguns sustos com situações inusitadas provocadas pelos meus irmãos. Eu e Airton, que hoje é chefe do escritório do DNPM, em Porto Velho(RO), somos testemunhas de alguns frêmitos que mamãe sentiu.
Airton, ou 'Tapioca', como a maioria dos amigos de infância se lembra dele, tinha dois camaradas. Um, no tempo de ginásio, para jogar futebol, era Everadinho, este mesmo que vocês estão pensando, o hoje todo-poderoso secretário municipal de planejamento. No científico do CDA, Tapioca não dispensava a companhia de Edílson Moura no estudo, hoje engenheiro civil do grupo Líder, de Belém.
Certo dia, quando estava se encerrando no rádio "A Voz do Brasil", ouviu-se a buzina de um automóvel parado à porta de nossa casa, na rua do Imperador. Ato contínuo, aquele toc-toc na velha porta de madeira. Pela fresta, mamãe enxergou um carro luxuoso, preto reluzente.
- O que foi que ao aconteceu? Pensou, logo, minha mãe no pior.
Ao ganhar à calçada, lá estava ele, de cigarro na ponta dos dedos: o prefeito Everaldo Martins, amparado pela porta de seu automóvel Itamaraty.
- Boa noite dona Sarita. Posso entrar? Perguntou o prefeito.
- É melhor não, respondeu minha mãe, de bate-pronto.
- O que o senhor deseja?
Dr. Everaldo era amigo de meu pai Petronilio, que chefiava o escritório local do então Departamento Nacional de Endemias Rurais(DNERu), mas nunca tinha nos visitado. Deveria haver um motivo muito importante para aquela visita fora de hora.
- Tenho uma reclamação a lhe fazer. Seu filho bateu no meu filho, no jogo de bola, hoje à tarde, no campinho da praça São Sebastião. Eu exijo providências da senhora.
Na sala, com o ouvido colado à porta, estava Airton, já antevendo que naquela noite iria 'dormir de couro quente', uma sutil expressão que significa levar surra dos pais.
- E eu pensei que era outra coisa, senhor prefeito, resmungou minha mãe. O senhor vem aqui nesse carro bonito, só para me participar que meu filho bateu no seu? Não precisava tanto. Pode deixar que esse moleque me paga.
Até hoje, Airton se lembra dessas boas lambadas de galho de cuieira que levou para não mais brigar na rua.
Viajando no tempo, dou um salto imaginário para contar outro susto de minha mãe, este um pouco mais grave e que quase tem desfecho trágico.
Airton e Edílson estudavam juntos. Pela manhã, era comum os dois se prepararem para as provas do Dom Amando. Até então, minha mãe só se dava conta da presença do colega de meu irmão quando ia à sala espiar a rua pela janela. Mas numa sexta-feira, foi diferente.
Naquele dia, mamãe ouviu, além da buzina, o som da sirene estridente de um veículo. Correu para a porta e deparou-se com um carro-funerário, parado em frente de casa.
Um dos meus filhos morreu! Desesperou-se dona Sarita.
- O 'Tapioca' está? Perguntou Edílson com um riso cínico no rosto.
- Quem morreu, rapaz? Me diga logo, atalhou mamãe.
- Ninguém morreu dona Sarita, respondeu Edílson, já preocupado com as feições suadas e pálidas de mamãe, na iminência de fazer um infarto.
- Vim só estudar. Esse carro é da funerária do meu irmão Manoel e ele me emprestou para vir até aqui, tentou-se explicar Edílson.
Desde aquele dia, Edílson era obrigado a estacionar seu carro-funerário bem longe de casa.
Foi a condição imposta por dona Sarita para que ele pudesse continuar estudando junto com
'Tapioca'.
Um comentário:
rsssss muito divertida a cronica,Miguel.
Abs,querido.
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