Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
Manaus tem quase 1,8 milhão de habitantes, dos quais 965 mil lêem jornais. É o segundo maior índice de leitura de jornais do Brasil, superado apenas pelo de Porto Alegre, que é de 73%, segundo pesquisa do instituto Ipsos Marplan, divulgada no final do mês passado. Quem encomendou o trabalho foram os jornais Diário do Amazonas e Dez Minutos, do mesmo grupo empresarial, a Editora Ana Cássia. Eles seriam lidos por 726 mil das 965 mil pessoas que constituem o mercado de jornais impressos da capital amazonense. Um índice formidável de domínio de 79%. Ainda mais porque Manaus tem sete jornais diários, enquanto em Porto Alegre eles são apenas três.
Com essa pesquisa, os donos da corporação procuram demonstrar o acerto de suas decisões. O jornal mais antigo, o Diário, tem uma tiragem menor, mas é mais influente, por ser o preferido pelos leitores com mais de 35 anos. Já o Benjamin da cadeia, que tem menos de um ano e meio de vida, se tornou o de maior vendagem no Estado, por conquistar o público da faixa entre 18 e 24 anos, com tendência a se dissociar da imprensa convencional ou abandoná-la por completo. A conquista foi facilitada pelos preços dos jornais, o Diário a 50 centavos e o Dez Minutos a 25 centavos, os menores da praça.
Pelos dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC), a tiragem paga do Dez Minutos é de 63 mil exemplares, que o coloca em 12º lugar no ranking nacional, e a do irmão mais velho fica próxima de 20 mil. Para cobrirem todo o público que lhes é atribuído, cada exemplar deve ser lido por 10 pessoas, o dobro da média máxima constatada em pesquisas sistemáticas (ou mais do triplo do índice médio de leitura). Os dois jornais amazonenses estariam circulando por mais mãos, o que pode favorecer o crescimento da vendagem mais adiante. Se a amplitude não for fantasiosa.
Não consegui ter acesso à íntegra da pesquisa para poder analisá-la melhor. Ela confirmaria a tendência recente, sobretudo a partir da concorrência da internet, de preferência do público por publicações impressas de leitura fácil, aparência atraente e com recursos para conquistar leitor (mulher nua, crime, esporte, show-bizz, fofocas e promoções comerciais). Mas se a pesquisa da Marplan está certa, há um componente específico no caso amazonense para explicar o crescimento espantoso do Dez Minutos em tão pouco tempo. Superou não só os seus concorrentes estaduais como quebrou a tradicional hegemonia dos jornais de Belém, que nunca haviam sido perturbados por qualquer outra publicação regional.
De certa forma o índice de leitura dos dois jornais traduz a supremacia de Manaus, que tem o 7º maior PIB dentre as capitais do país, sobre Belém, que ficou na quarta pior posição. O índice de riqueza material, por outro lado, é produto da maior diversificação econômica e social da capital amazonense, com a presença marcante do imigrante, tanto pessoa física quanto jurídica. Ele não conhece a história local nem tem compromissos com sua elite mais antiga.
A Zona Franca atraiu empresários e executivos, mas também técnicos e operários. Eles passaram a ter acesso a uma versão mais convencional do modelo de jornais expressos, que é o Diário, e outra mais ao gosto popular, mas ambas com o atrativo de uma aparência de independência e dinamismo que faltou aos concorrentes, sobretudo o grupo de A Crítica, com 60 anos de atividade (e líder disparado durante a maior parte desse período).
A versão fast-food da família Calderaro, o Manaus Hoje, não deu para a competição e o órgão tradicional não se renovou. O grupo do Diário obteve vitória completa, algo que a família Maiorana não conseguiu com sua dupla O Liberal-Amazônia contra o Diário do Pará, que imobilizou o segundo jornal dos oponentes com um caderno de polícia sensacionalista e anúncios classificados populares. Ao invés de esmagar o adversário, a aplicação paraense da fórmula provocou mais autofagia do que expansão.
Essa é mesmo a fórmula do sucesso, veio para ficar e será o meio de reposicionar os jornais no universo das mídias? Ainda é cedo para apresentar uma resposta. No caso do Amazonas, os baixos preços só poderão ser mantidos se surgirem novas formas de faturamento – ou nos próprios jornais ou agregando novas mídias, como a televisão, que o grupo Ana Cássia não tem. Esse investimento também dependerá do futuro da Zona Franca, atingida pelos efeitos positivos e negativos do câmbio atual e da crise internacional. E pela própria posição editorial que os jornais assumirem a partir da campanha eleitoral, identificados com o público ou com os grupos políticos. De qualquer maneira, o fenômeno Dez Minutos tem um efeito proveitoso: obriga quem quer entender o que acontece a examinar os fatos com mais atenção, rigor e lucidez.
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