Lúcio Flávio Pinto
Belém- Foi exemplar a sessão do Tribunal Pleno do TJE realizada em 9 de dezembro do ano passado, presentes 21 dos 30 desembargadores (os oito ausentes se justificaram e o ex-presidente, Milton Nobre, está licenciado por ter sido eleito membro do Conselho Nacional de Justiça, o primeiro representante do Pará no colegiado). Na abertura da sessão o presidente, desembargador Rômulo Nunes, entregou o certificado que o CNJ expediu para a desembargadora Vânia Lúcia de Azevedo da Silva, por ter atingido a Meta 2 do Conselho, que previa o julgamento de todos os processos em tramitação até 2005. Ao invés de se tornar festiva, consagrando o combate à lentidão da justiça no Brasil, a sessão passou a ser tomada por controvérsias.
Começou quando o desembargador Rômulo Nunes se referiu a um expediente da desembargadora Eliana Rita Abufaiad, comunicando a existência de apenas três processos da Meta 2 pendentes em seu gabinete. O primeiro teve a sua tramitação suspensa por solicitação das partes, visando a composição de um acordo, enquanto os dois últimos já tinham sido julgados, mas ainda havia o prazo para a interposição de eventuais recursos, explicou a magistrada.
Em seguida, a desembargadora Célia Regina de Lima Pinheiro disse que faria uma colocação “bem oportuna” em função da entrega do certificado à desembargadora Vânia Azevedo da Silva, por ter concluído os processos da Meta 2 em seu gabinete, e também sobre o ofício da desembargadora Abufaiad mostrando quantos processos ainda estavam pendentes de diligência ou alguma outra situação. Lembrou que provavelmente em setembro se manifestou naquele mesmo plenário “dizendo que do jeito que estava seria até inviável cumprir a Meta 2”.
Explicou ter saído de férias no dia 9 daquele mês e na semana do seu retorno foi avisada que estava chegando ao seu gabinete um processo de Meta 2. Reafirmou então o que anunciara: não iria jurar suspeição sobre processos de Meta 2, por isso ia ficar difícil cumpri-la: “Não devolvi nenhum processo. Fiquei com eles e os analisei, decidindo”. Por isso, considerava ter atingido a meta estabelecida pelo CNJ, porque o último processo que ainda dependia de julgamento no seu gabinete seria julgado naquela mesma sessão do Tribunal Pleno, o que a deixava muito feliz. No entanto, informou que acabara de receber dois novos processos da Meta 2, que lhe foram redistribuídos, sem que pudesse decidi-los de imediato, monocraticamente (sem depender dos seus pares de tribunal).
“Não estou aqui questionando, dizendo nada ao meu colega, que jurou suspeição nos dois processos, e por isso foram-me redistribuídos. Quero dizer a todos que não vou jurar suspeição, mas vou comunicar ao Conselho Nacional de Justiça”. A desembargadora disse que dava por cumprida a meta porque as normas legais não lhe permitiam jurar suspeição: “Meu dever é processar e julgar”. Lamentava, mas ressalvava: “não vai ser um certificado que vai me alterar em nada”. A existência dos dois processos nas estatísticas significaria “tão somente números”: “ninguém vai aferir e nem vai justificar na estatística quando eu recebi estes processos”.
A desembargadora Vânia Silva interveio para dizer que partilhava o mesmo sentimento da sua colega: estava alegre porque naquela mesma sessão era revisora do julgamento do último processo da desembargadora Brígida Gonçalves dos Santos de Meta 2, “que também veio por motivo de redistribuição, processo antigo, quando ela tinha quase que zerado”.
Foi a vez de o desembargador João Maroja falar para manifestar a impressão de que a Meta 2 “parece que veio para fazer constrangimento para todos nós”. Confessou ter dois processos. Pedira inclusão de pauta para um deles, ação penal contra um promotor de Justiça, que, só no Ministério Público, “passou um ano e dez meses para receber parecer”. O outro processo também era uma ação penal, desta vez contra uma promotora de justiça. Observou que “essa moça me tem criado mil embaraços no processo, só faltou arrolar testemunhas em Nova York para eu ouvir”.
Ressaltou ser essa “uma instrução que não posso absolutamente fazer de modo açodado sob pena de estar prejudicando o amplo direito de defesa. Só registro que o Conselho Nacional de Justiça coloque nesses termos, pressão em cima de nós e depois premia... Acho absolutamente dispensável esse prêmio do Conselho Nacional, porque eu cumpro a minha meta sem qualquer preocupação, é ponto número um celeridade no meu processo”.
Foi então a vez de a desembargadora Luzia Nadja do Nascimento se aliar à desembargadora Célia Regina em relação ao tema: na véspera também recebera um processo de Meta 2 por redistribuição e que, por estar em diligências, não podia ser julgado, embora sem estar parado. Por isso, não atenderia a meta, mas também não a violaria, porque ela não podia limitar a ação dos magistrados. Admitiu que a iniciativa do CNJ “veio com certeza pelo clamor da sociedade. Isto nós não podemos dizer que não foi, e que ela está tendo resultado, está sim, não podemos dizer de forma diferente. Contudo, o 2º grau não só fica restrito a decidir processos de Meta, ele recebe mandados de segurança, agravos, tem os processos dos idosos que têm prioridade, que tem que dar andamento. Quer dizer, a Meta é só um plus para nós do 2º grau”.
O desembargador Cláudio Montalvão pediu a palavra para reforçar a manifestação das colegas. Disse que se esforçou para cumprir a exigência do CNJ e que, finalizando seus julgamentos, igualmente recebeu um novo processo de Meta 2. “Fico realmente enojado e estou argüindo minha suspeição, sim, porque entendo que é fora de cabimento, deveria ter um meio; estes processos redistribuídos no mês de outubro ou novembro para o colega, deveria ter em escape, porque vão dizer que ele ficou, não cumpriu a Meta 2, mas não sabe que você exerceu um esforço tremendo para julgar todos, e de uma hora para outra chega um processo sem solução”. Assim, não se sentia à vontade “para julgar um processo da Meta 2 em dezembro”, quando estava cumprindo a sua parte.
A desembargadora Albanira Bemerguy também decidiu se manifestar, “embora eu sinta que é pregar no deserto, mas continuo pregando no deserto, não tem problema”. Sua opinião era de que “estamos andando em círculos”. Em conversa com a corregedora de justiça disse que ninguém devia ser penalizado. Em primeiro lugar porque esses processos constituíam “’herança maldita’, que nós chamamos porque houve desembargador que deixou dois mil processos, se aposentou belo e faceiro e bonitinho”, transferindo o ônus aos colegas que permaneceram na ativa. Mas não citou o nome do magistrado relapso, que acumulou tantos processos sem julgá-los.
A ex-presidente do TJE disse não ser contra a iniciativa do CNJ, mas destacou que o judiciário precisa ter condições “para cumprir essas exigências, essas demandas, essas metas que estão sacrificando magistrados e servidores: é depressão, é estresse, tudo mais”. Exemplificou que o judiciário paraense vai poder contratar mais 50 juízes, quando precisaria de 200 para dar conta de tantas e tão complexas questões, como as fundiárias e as ambientais. Foi autorizada a contratação de apenas um psiquiatra para atender milhares de necessitados, quando a demanda requeria muito mais.
No entanto, só era destacada a cobrança, sem as medidas de apoio para atender o serviço. “Quer dizer: ganham marketing, parece que estão resolvendo o problema da justiça do Brasil, mas não estão, ao contrário, estão penalizando injustamente magistrados que não têm mais a quem recorrer”
O desembargador Leonam Gondim Júnior informou que, consultando os arquivos do dia em relação à semana anterior, constatou que os processos pendentes no judiciário do Pará haviam baixado de 230 para 166. Não sabia dizer “como é esse critério de baixa, e já me disseram que só vale quando transita em julgado”. Discordou, argumentando que há recursos “que não dependem de mim”, e que ainda estavam tramitando em seu gabinete 15 processos (quase 10% do total), embora estivesse redobrando suas jornadas de trabalho (na véspera, dormira apenas quatro horas – reclamou).
A desembargadora Maria do Carmo Araújo e Silva anunciou que também não iria cumprir a meta, “porque os processos ficam dependentes de recursos e há processos em diligências, mas na minha sala não tenho mais nenhum”. Estava trazendo o último para julgamento naquele dia. Mas recebeu uns 15 dias antes “um processo de 17 volumes, é um problema sério. A desembargadora Célia Regina está reclamando e já não posso mais nem reclamar porque é muito complicado”.
E assim a sessão chegou ao fim. Mas não a Meta 2.
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