domingo, 21 de fevereiro de 2010
Água pirateada
Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal
Já seria “assustador” o tráfico de água doce da Amazônia para o exterior. O alerta foi feito no final do ano passado pela revista jurídica Consulex, editada em São Paulo (e repercutida mais de um mês depois por O Liberal). Ela garante que algumas empresas já praticam com desenvoltura a hidropirataria. Só um navio teria capacidade de armazenar 250 milhões de litros, que uma empresa da Noruega forneceria para clientes na Grécia, Oriente Médio, Ilha da Madeira e Caribe. Por sair pela metade do custo da dessalinização, o roubo de água se tornou atraente no comércio com países carentes de água doce superficial. Tecnologias foram criadas para a retirada da água e o seu transporte, não só nos porões dos supergraneleiros, como em balsas de água, puxadas por rebocadores convencionais.
A matéria da revista é rica em detalhes e conjecturas, mas não o bastante para convencer sobre o que relata, ecoando denúncias já numerosas. Claro que o acervo de água da Amazônia, que representa 68% da massa de água doce superficial do Brasil e de 8% a 25% (conforme as diferentes avaliações) do total da Terra, é questão transcendental. Exige atenção, seriedade, prioridade e investimentos. Todos esses elementos são de enorme deficiência atualmente. Não permitem um conhecimento adequado sobre os recursos hídricos da região. O interesse mundial cresce numa velocidade muito superior à da atenção nacional – e não é por acaso. Estima-se que 1,5 bilhão de seres humanos já não disponham de água suficiente para suas necessidades essenciais. Vão precisar resolver esse problema de alguma maneira.
Mesmo as denúncias mais detalhadas, como a da Consulex, porém, ainda se revelam especulativas. Devem servir de alerta porque o problema ainda não existe, mas logo estará constituído. Até agora, não há nenhum caso comprovado de roubo de água amazônica em território nacional, incluindo o mar de 200 milhas. Os grandes navios 1.200 por ano) entram na região em busca de outros recursos naturais, principalmente minérios e madeira. Não têm espaço – nem tonelagem – para acumular água – e em escala comercial.
A única área que poderia proporcionar essa pirataria é a foz do rio Amazonas. Não há qualquer caso concreto de um superpetroleiro que tenha estacionado nesse local para se abastecer de um volume como os 250 milhões de litros citados. Pode parecer muito, mas é menos de meio segundo de água na vazão máxima que o rio Tocantins alcançou na barragem de Tucuruí, em 1980. Não parece um grande negócio, capaz de justificar o investimento e o risco, ainda que o patrulhamento da costa amazônica seja deficiente (o que induziu a criação da nova esquadra da Marinha, prevista para ter sua sede em São Luís do Maranhão).
Se não é para nos roubar água potável (com volumosa quantidade de sólidos em suspensão na foz do Amazonas), então essa pirataria seria para recolher água rica em nutrientes para algum objetivo ainda não identificado. Por enquanto, considerando o que se sabe sobre o que a água do Amazonas contém, não dá nem para supor qual seria esse propósito oculto ou misterioso. O campo ainda está aberto à imaginação e à especulação. Para delimitá-lo, a melhor atitude é, sem deixar de se manter atento, investir no conhecimento dos nacionais sobre sua própria riqueza, ao invés de ir atrás do bloco da conspiração e da fantasmagoria. Ao meio-dia.
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