Raimundo Sodré
Este ano o meu carnaval foi todo na Cidade Velha. Cumpri o rito. Cordão do peixe-boi, Fofó do Elói e uma animada caminhada exploratória pelos segredos do entorno (culinários, inclusive). Confesso, porém, que bati perna atrás da bandinha bem pouco. A minha base foi ali, na praça do Carmo. Pertinho do busto de D. Bosco. Ali, entre um passinho escaleno de samba e outra obtusa tentativa, matutava:
Vivendo e aprendendo, né. Trago lá do “Bom dia” do padre Lourenço, na Escola Salesiana do Trabalho, o significado do carnaval.
Novesfora uma confusãozinha por causa de uma inglória morrinha contra o sol desafiador da manhã, ali, cedinho, na quadra da Escola, a festa de carnaval seria como um descarrilamento proposital de nossas, digamos assim, regras comportamentais. É a festa das permissões (por isso tantos lábios masculinos tingidos pelo mais alarmante carmim), dos intentos desprovidos de senso, do sorriso indecoroso, da coragem desmedida (boca pintada, saia rodada, corpete apertado, perna cabeluda e o nó na goela. Pode. Tudo pode no carnaval).
A festa tem este caráter mesmo de transbordamento, de inclinações libertinas, de prazer total exatamente por estar atrelada ao calendário cristão e por anteceder o tempo de contrição e penitências que se realiza na quaresma. Nos primórdios este clima foi associado ao esbanjamento, aos prodigiosos costumes. Como na quaresma a tradição prega a abstinência dos prazeres, da voz aguda, da carne (de pentear o cabelo e de varrer a casa), os dias que antecedem o compromisso de fé compensam a privação. A carne, então vale. Até a quarta-feira de cinzas, “a carne vale...Carnevale...Carnaval”, arrematava o fundador da EST.
Aqui pra nós, porque lá para o povo de Nova Orleans, é Mardi gras. Tem esse nome por causa do dia mais foguento do carnaval que é a terça-feira gorda, dia inspirado no folguedo parisiense antigo, que por matreiro que era, destacou-se como o vovozinho do carnaval moderno (um conceito, um jeito de ser feliz que acabou por dar um outro sentido para a palavra carne, aquela lá de cima, de ‘carnevale’, e que para nós quer dizer...Bom...Vá lá que seja, quer dizer pés em carne viva por causa de três dias de samba e de ginga).
Os americanos desfilam na avenida até com alguma alegria, mas divertem-se movidos por estranhezas e embaraços: esmeram-se em distribuir colares de contas para as garotas e em troca pedem que elas lhes mostrem os seios. Embaraçam-se em algumas centenas de cordões, penitenciam-se carregando um peso danado em só para sair trocando bijus de continhas por uma espiadela. Esses americanos me arrumam cada presepada!
O carnaval é um divertimento antigo, mas todo ano a gente se ‘apatralha’ com a data. Às vezes, é vupt, logo nas calendas de fevereiro, outras vezes vai dar lá nas águas de março. A data varia porque tem uma continha chata na parada. Como é uma festa ligada ao cristianismo, é subordinada ao calendário eclesiástico. E tem como referência a Páscoa, que é uma celebração com data variável (a Páscoa ocorre no primeiro domingo após a primeira lua cheia que acontece depois do equinócio. E por aí a gente tira. Dei uma pesquisada e vi que o equinócio este ano vai cair no dia 20 de março, a primeira lua cheia a partir dele será no dia 30, daí então é só...Ah, quer saber, eu vou é consultar a folhinha do ano pra saber quando é a Páscoa. Eu não falei que a conta era chatinha).
Entretanto, é bom se agendar para quando a quarta-feira chegar, receber as cinzas, tomar termo e procurar se emendar porque a essas alturas do campeonato já “acabou nosso carnaval”.
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